Filme dos ‘Mamonas Assassinas’ desafia politicamente correto

Publicado em 19/12/2023

Um avião cruza o céu já nos primeiros segundos de “Mamonas Assassinas: O Filme”. É como um presságio, um lembrete de que aquela história, por mais bem-humorada e otimista que seja, tem o final trágico que em 1996 fez milhões de brasileiros chorarem a morte de uma das bandas mais irreverentes do país.

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 Mas não é só isso que a aeronave carrega. Ela faz uma ponte entre o passado e o futuro dos Mamonas Assassinas, da origem sem “money, que é good”, no bolso, ao estrelato em questão de meses.

“A imagem do avião estava presente na vida, no cotidiano deles, não só na tragédia. Eles eram de Guarulhos, a cidade dos aviões, que passam sobre a sua cabeça toda hora, e o Samuel era apaixonado por eles, então tínhamos que pontuar isso”, diz Walkiria Barbosa, produtora que vê o filme como um projeto dos sonhos.

  

As gravações, ela conta, foram especialmente difíceis, já que aconteceram na cidade paulista que é lar do principal aeroporto do país e de onde vinha o conjunto formado por Dinho, Júlio Rasec, Bento Hinoto, Samuel Reoli e Sérgio Reoli. Com o barulho onipresente das aeronaves, as cenas externas com frequência tinham que ser regravadas.

Motivo de orgulho para os integrantes, Guarulhos era o destino do avião que os transportava em março de 1996, após uma apresentação em Brasília. A aeronave se chocou contra a Serra da Cantareira, matando todos a bordo apenas sete meses depois do lançamento de seu disco de estreia.

Dirigido por Edson Spinello, o filme que chega aos cinemas na próxima semana não precisou fazer um recorte temporal muito específico, de tão breve que foi a trajetória dos Mamonas Assassinas. A trama começa às vésperas da formação do grupo e vai até seu fim.

Quando passou pela feira de cultura pop CCXP, a Comic Con Experience, no começo do mês, o filme causou comoção, e seu elenco fez as arquibancadas de um dos auditórios tremerem, enquanto cantava e urgia o público a dançar o “Vira-Vira”, mostrando a força daquelas canções mesmo 27 anos depois.

“Eles falavam de temas muito importantes na época. Foram precursores ao abordar temas sensíveis de forma delicada, leve, divertida e ousada. O que fizeram é insuperável”, diz Barbosa, que também é diretora do Festival de Cinema do Rio, sobre o apelo depois de tantos anos. Fã dos Mamonas, ela desconhecia o lado mais humano do quinteto, e tomou como missão levá-lo às telas.

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Para isso, a produção teve ajuda dos familiares, que forneceram material de arquivo e, claro, suas próprias lembranças como matéria-prima para o roteiro, assinado por Carlos Lombardi. O elenco também conviveu intensamente com os parentes, numa busca para preencher as lacunas menos públicas da vida dos Mamonas.

Barbosa, porém, reitera que teve liberdade total e que nunca recebeu imposições das famílias -o filme, no entanto, não deixa de adotar um tom de homenagem, elogioso. Não há, por exemplo, uma problematização de letras como “Pelados em Santos”, “Jumento Celestino” e “Uma Arlinda Mulher”.

Seria curioso pensar se a banda alcançaria o mesmo sucesso hoje, em tempos de politicamente correto e de cultura do cancelamento. Se por um lado foi precursora ao denunciar a homofobia em “Robocop Gay”, por outro o fazia com tom jocoso e tiradas ácidas que, na superficialidade das discussões de redes sociais, poderiam não soar bem.

Os Mamonas adotavam, com frequência, o lado do oprimido em suas canções -“abra sua mente/ gay também é gente”, cantavam-, mas sempre de forma escrachada -o backing vocal, na mesma canção, dizia querer chupar a tal pistola de plástico que o Robocop Gay empunhava.

“Arte tem que ser livre”, afirma Barbosa, semanas depois de o diretor Edson Spinello, no palco da CCXP, afirmar que “eles eram politicamente incorretos, e o mundo vive um momento em que precisa refletir sobre isso”.

Intérprete do vocalista Dinho, Ruy Brissac não acha que a ameaça de cancelamento que assombra artistas hoje teria sido um empecilho para o sucesso. Ele diz ver, com facilidade, a banda bombando no TikTok com as brincadeiras, dancinhas e figurinos caricatos que marcaram seus shows.

“Eles são atemporais. Teriam se renovado e estourado”, diz o ator, que tinha seis anos quando a banda estava no auge. “Hoje eles são como uma herança familiar. Os pais mostram para os filhos e, assim, eles são passados de geração em geração.”

Escolher o elenco para o filme não foi fácil. Apenas o papel de Dinho foi preenchido com certa facilidade, já que Brissac havia interpretado o vocalista no teatro, num musical sobre a banda.

Mesmo assim, fez testes, e mais tarde se juntaram a ele os atores Rhener Freita, Adriano Tunes e Robson Lima, todos com conhecimento de música e dos instrumentos que empunhariam em cena -um disco com as versões do filme deve ser lançado em breve, de acordo com a produtora. Beto Hinoto, sobrinho do integrante Bento Hinoto, fechou o quinteto.

 
  

“Mamonas Assassinas: O Filme” se junta a uma safra volumosa de produções que tentam fazer sucesso biografando personagens queridos da cultura brasileira. Neste ano, alguns dos melhores resultados de bilheteria para o cinema nacional -comedidos, num momento delicado, vale dizer- foram obras do gênero, que falaram da vida de Mussum, Gal Costa e da dupla Claudinho e Buchecha.

Embarca, ainda, na onda da nostalgia que tomou o cinema mundial. No caso dos Mamonas, a intenção é levar o longa também para a Argentina, onde distribuidores já demonstraram interesse, e para Portugal, país para o qual embarcariam no dia seguinte ao acidente aéreo.

“É um filme que acessa a memória das pessoas. Nas sessões que fizemos até agora, várias vieram falar com a gente sobre a saudade que sentem da banda. Há muitos pais com os filhos, crianças mesmo”, diz Brissac. “Eles seguem muito vivos no coração das pessoas.”

Veja o vídeo:

 

 

MAMONAS ASSASSINAS: O FILME

Quando Estreia no dia 28 de dezembro nos cinemas

Classificação 12 anos

Elenco Ruy Brissac, Beto Hinoto e Robson Lima

Produção Brasil, 2023

Direção Edson Spinello


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