Uso de IA e fora do tom: as polêmicas de Emília Perez

Publicado em 29/01/2025

A temporada de premiações internacionais corre a todo o vapor, e os filmes que concorrem às principais categorias ganham público e, principalmente, críticos. 

Um deles é Emilia Pérez. Distribuído pelo streaming Netflix, a produção conta a história de um chefe do tráfico mexicano que se descobre uma mulher trans e cria uma organização de apoio a famílias de desaparecidos pelo tráfico.

O longa acumula vários prêmios de diversos países, e tem 13 indicações ao Oscar 2025 (dessas, três são as mesmas categorias que o brasileiro “Ainda Estou Aqui” concorre, incluindo Melhor Filme).

No entanto, mesmo com uma recepção internacional majoritariamente positiva, o filme encontra críticos ferrenhos, em especial na América Latina e no próprio México, onde o filme se passa. Mas por quê?

1. Falta de representação

Apesar da história se passar no México, ser majoritariamente em espanhol e falar de uma grande problemática mexicana, o filme foi todo gravado na França, com diretor e roteirista francês e produtores europeus.

Além disso, do elenco principal do filme, apenas a atriz Adriana Paz é mexicana. Karla Sofía Gascón, que vive Emília Pérez, é espanhola, enquanto Zoe Saldaña é estadunidense com ascendência Porto-riquenha. Selena Gomez, por sua vez, também é estadunidense, e embora tenha avós mexicanos, não domina a língua. 

Segundo a diretora de elenco, Carla Hoos, atrizes mexicanas teriam sido sondadas para os papéis, mas Saldaña e Gomez “se encaixavam melhor” nos papéis. 

A fala foi alvo de duras críticas, em especial entre o público latinoamericano, que há décadas importa produções mexicanas para exibição em seus próprios países (no Brasil, algumas das mais famosas são Chaves e RBD). 

A escalação das atrizes também mudou a nacionalidade das personagens no filme, que inicialmente eram todas mexicanas, mas precisaram ser alteradas por conta do sotaque forte de Zoe Saldaña, e o desconhecimento de espanhol de Selena Gomez. 

Por fim, quando perguntado sobre o quanto havia estudado sobre o México para fazer o filme, o diretor e roteirista, Jacques Audiard, respondeu: “O que eu tinha que entender eu já sabia um pouco”.

2. Insensibilidade

Embora o filme tenha sido lançado no México apenas no final de janeiro, dois meses depois do lançamento nos EUA, internautas mexicanos já criticam o filme há algum tempo, em especial pelo tema que é tratado. 

Emilia Pérez, segundo o próprio diretor, se propõe a tratar sobre a problemática das pessoas desaparecidas e mortas pelo tráfico de drogas no país. Entretanto, o filme teria tratado o tema de forma “insensível” e “desrespeitosa”, segundo o escritor mexicano Jorge Volpi, em coluna do jornal El País.

“Supor que, ao realizar sua transição, o homem selvagem e cruel que ordenou centenas de assassinatos de repente se transforme em uma mulher empática e comprometida com os mais fracos é um malabarismo narrativo imperdoável”, falou.

“No final, a redenção de Emilia Pérez acaba sendo tão falsa – e tão desrespeitosa para com o espectador – quanto o sotaque de Selena Gomez ou a falsa determinação de Audiard em abordar, sem o menor conhecimento ou empatia, o doloroso tema dos desaparecidos no México”.

3. Uso de IA

Uma das polêmicas mais recentes no filme, que é um musical, foi o uso de Inteligência Artificial (IA) na pós-produção, para mudar a voz de Karla Sofía Gascón.

A informação foi revelada pelo responsável pela mixagem e design de som da produção, Cyril Holtz, em entrevista à Comissão Técnica Superior de Imagem e Som (CST).

De acordo com ele, a edição foi feita para aumentar o alcance vocal da atriz, que já havia feito transição de gênero, e não conseguia alcançar algumas notas.

A controvérsia da situação é ainda maior porque o uso de inteligência artificial em produções foi um dos motivos do início da greve dos sindicatos de atores e roteiristas (SAG-AFTRA), que parou grande parte das produções de filmes, séries e jogos dos EUA no segundo semestre de 2023.

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4. Respostas a críticas

Por ser a principal atriz do filme na corrida pelos prêmios, Karla Sofía Gascón também é a principal porta-voz do longa na internet. Por isso, ela é a que mais se posiciona contra as críticas.

No entanto, essa posição é arriscada, e uma palavra errada pode levar a interpretações desastrosas. Em uma publicação nas redes sociais, a atriz, que é uma mulher trans, chegou a comparar as críticas ao filme com o holocausto. “Cuidado para não continuar ignorando o discurso de ódio, foi assim que começaram na Alemanha e acabamos nos campos de concentração”.

Depois, ela limitou as interações nas suas redes sociais por conta das críticas que estava recebendo por essa fala. Alguns dias depois, nesta quarta-feira (29), veio à tona uma entrevista que a atriz fez à Folha de S. Paulo, em que Gáscon afirma que a onda de críticas e “ódio” sofridas por ela e pelo filme é orquestrada por pessoas ligadas a Fernanda Torres e à produção de Ainda Estou Aqui.

“O que eu não gosto é que há uma equipe nas redes sociais que trabalha no entorno dessas pessoas tentando diminuir o trabalho dos outros, como o meu, ou um filme. Eu, em nenhum momento, falei mal de Fernanda Torres ou de seu filme, mas vejo muitas pessoas que trabalham no ambiente de Fernanda Torres que falam mal de mim e de ‘Emilia Pérez’. Isso fala mais deles e de seu filme do que do meu.”, disse Gáscon.

Para o crítico de cinema brasileiro Waldemar Dalenogare, a fala de Gáscon é “lamentável”.  “Já tinha avisado desde o começo de janeiro: Netflix usa a Karla na linha de frente da campanha para criar uma narrativa que as críticas ao filme não são orgânicas. E aos poucos vão tentando colar isso nos brasileiros”.

“Tá muito claro pra mim que isso é uma campanha negativa que surge não por fãs ou pelas redes sociais, mas por uma estrela do elenco do filme mais indicado ao Oscar que faz um direcionamento contra Fernanda e Ainda Estou Aqui. Bizarro!”, continuou ele, em fio no X (antigo Twitter).

Além disso, Dalenogare pontuou que a fala de Karla Sofía, se não for provada, é uma violação ao regulamento do Oscar. Segundo o livro de regras da Academia, pessoas ou empresas envolvidas em qualquer filme que compete pela estatueta dourada são proibidas de compartilhar opiniões depreciativas, negativas ou falsas sobre seus competidores, nem encorajar ou desencorajar membros da Academia a votar em algum dos competidores.

Após a fala viralizar, Karla Sofía, em uma entrevista à Variety, se retratou: “Eu sou uma grande fã de Fernanda Torres e tem sido maravilhoso poder conhecê-la nos últimos meses. Em meus comentários recentes, eu estava me referindo à toxicidade e discurso de ódio violento nas redes sociais que eu, infelizmente, continuo a sofrer”. 

“Fernanda tem sido uma aliada incrível, e ninguém diretamente ligado a ela tem sido nada além de solidário e altamente generoso”, continuou a atriz.

Emilia Pérez estreia no Brasil em 6 de fevereiro.


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