Conheça o caso da ilha que desapareceu no Pará

Publicado em 04/05/2024

Quando a Polícia Civil entrou em contato com a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) o objetivo era apenas um: que os pesquisadores pudessem auxiliar em uma investigação que apurava denúncias de pescadores e ribeirinhos sobre o total desaparecimento da ilha Camará, localizada no município de Marapanim, zona costeira do Estado do Pará, nordeste paraense. De acordo com as denúncias, o sumiço da ilha se deu por ação humana, a partir do excessivo fluxo de lanchas de praticagem, que trazem pessoas que estão em alto mar para o continente. A ilha faria parte da Reserva Extrativista Marinha (Resex) Mestre Lucindo, uma das 23 unidades de conservação do estado do Pará, registradas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) do Ministério do Meio Ambiente.

O auxílio à investigação veio a partir de uma extensa análise cartográfica, com o apoio de geoprocessamento e análise de imagens de satélite, trabalho realizado pela professora Tabilla Verena da Silva Leite, docente do curso de Engenharia Cartográfica e Agrimensura da universidade. A professora, que há anos pesquisa dados sobre a zona costeira paraense reuniu dados que vão de 1985, momento em que se tem as primeiras imagens de satélite da ilha, até 2021, data da solicitação da Polícia Civil. As imagens analisadas pela pesquisadora comprovam o desaparecimento total da ilha Camará, que na década de 80 possuía uma área de 13.561,998 m² e em 2016 não aparecia mais no mapa. “A ilha sempre aparecia nas imagens de satélite. Observou-se que havia existência vegetação e solo e os moradores afirmam a existência animais. Ela fornecia vários serviços ecossistêmicos para as comunidades do entorno, que a usavam também para atividades recreativas e lazer”, diz.

A professora explica que as ilhas localizadas no município de Marapanim, assim como na zona costeira paraense, em sua maioria pertencem à tipologia de uma ilha costeira do tipo fluviomarítima, onde se destacam ilhas de sedimentação e de erosão. “O processo de erosão é natural e ocorre muito na Amazônia, por conta do solo arenoso e do litoral ser baixo. A erosão costeira é provocada principalmente pela ação das águas do mar, que atuam sobre os materiais do litoral, na linha de costa, modificando o solo através da sua ação química e da sua ação mecânica, como o impacto das ondas, por exemplo. Por isso, na área costeira paraense é natural que ilhas apareçam e desapareçam, devido a influência das marés, dos sedimentos e dos rios amazônicos”, diz.

Mas não foi esse o caso da ilha Camará.

“Nessa ilha em específico alguma ação antrópica acelerou esse processo”, explica a pesquisadora. Como parâmetro de investigação, foi observada e comparada uma outra ilha próxima, parecida em tamanho, solo e localização geográfica, mas em outro braço de rio. Comparada a ilha Camará, a outra ilha observada sofreu pouca alteração. “Essa outra ilha não era rota das embarcações da praticagem e a ilha Camará sim. A outra ilha não sofre o impacto das ondas dos barcos”, explica. Segundo o parecer técnico emitido pela pesquisadora, a ilha Camará teria começado a desaparecer a partir do ano de 2003, quando já tinha somente 8.100,46 m². Esse sumiço foi ficando mais claro e intenso no ano/intervalo de 2012, quando a ilha alcançou uma área de 5.400,147 m² e 2013 com área de 5.399,79 m². Em 2015 a área chegou a 2.697,863 m², até o completo desaparecimento no ano de 2016.



O período crítico de desaparecimento da ilha coincide com as atividades de uma empresa de navegação que opera na área. O laudo técnico foi assinado pela professora Tabila Leite e pelo professor Robson Ramos e encaminhado à Polícia Civil. Em nota, a Polícia Civil do Pará informou que indiciou a empresa de navegação por crimes ambientais e por atuar sem licença, após resultados de estudos técnicos conduzidos pela Ufra apontarem que o desaparecimento da Ilha foi provocado por ação humana. A área era usada como rota da empresa investigada. O inquérito foi submetido à Justiça.

A zona costeira paraense

O Pará possui 47 municípios em sua zona costeira, normatizados a partir da Lei A LEI N° 9.064, DE 25 DE MAIO DE 2020, que instituiu a Política Estadual de Gerenciamento Costeiro. Os municípios são divididos em cinco setores principais: Marajó Oriental; Continental Estuarino (considerando a Região Metropolitana de Belém); Costa Atlântica Paraense e o setor Flúvio-Marítimo, composto por dez municípios, entre eles Marapanim.

Dentro desses setores existem as unidades de conservação de jusisdição estadual e federal. “Nessa região temos 10 unidades de conservação, sete delas federais, onde temos a Resex Mestre Lucindo, que precisa estar com seus serviços ecossistêmicos protegidos”, diz a pesquisadora. Os serviços Ecossistêmicos são os benefícios que as pessoas e animais obtêm dos ecossistemas conservados, ou seja, às contribuições diretas e indiretas dos ecossistemas para o bem-estar humano. Assim como nas demais áreas da zona costeira do Pará, o extrativismo de recursos pesqueiros e a pesca artesanal, são consideradas as atividades principais das comunidades da região, cercada por áreas de mangue. Segundo Tabila Leite, há dois tipos de ameaças principais na região: as externas, que são as mudanças climáticas, erosões costeiras, aumento do nível do mar. E existem as internas, que ocorrem naquele local. “Nisso temos o turismo desordenado, excesso de lixo e atividades como pesca industrial insustentável e praticagem, realizadas de forma cada vez mais intensa e impactando muito o modo de vida das comunidades tradicionais que dependem dos ecossistemas saudáveis. É o modo de vida deles, nunca vão conseguir disputar com a pesca industrial”, diz.



A pesquisadora afirma que uma das formas de evitar que mais crimes ambientais como esse ocorram é uma gestão costeira de forma integrada, reunindo outros estados que possam controlar não só a praticagem, mas a pesca industrial e outras atividades antrópicas que prejudicam os ecossistemas e os serviços oferecidos por eles. “O ideal é que cada município tivesse sua própria fiscalização. É preciso que mais instrumentos sejam aplicados para que seja feita a gestão do local, como gerenciamento costeiro municipal, zoneamento estadual, Elaboração dos planos de manejo nas Reservas Extrativistas Marinhas do nosso litoral e mais pesquisas voltadas à região, que ainda são poucas”, orienta.

A Ufra é a única universidade da região norte que possui o curso superior de Engenharia Cartográfica e Agrimensura, avaliado com a nota 5, pontuação máxima considerada pelo Ministério da Educação. Os pesquisadores costumam auxiliar, a partir de laudos técnicos, em mapeamentos sobre estradas, desmatamentos e investigações sobre crimes ambientais na Amazônia, que também originam artigos e trabalhos de conclusão de curso dos alunos, assim como projetos de pesquisa e extensão na área de Geotecnologias (Cartografia, Sensoriamento remoro e Geoprocessamento) voltados para análise ambiental, fundiária e ordenamento territorial.


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