Das novelas para a vida real: histórias de paraenses empreendedoras

Publicado em 29/03/2025

Depois de ter sua casa vendida pela própria filha, Raquel Accioli encontra na venda de lanches uma maneira de garantir o seu sustento e superar os enormes desafios que encontrou pela frente. O enredo está no centro da trama da novela ‘Vale Tudo’, sucesso dos anos 1980 que retorna à televisão com uma regravação que começa a ser exibida na segunda-feira (31). Apesar de ficção, a história da protagonista que encontra na gastronomia uma maneira de empreender não é diferente da de muitas paraenses da vida real. São mulheres que conseguiram vencer através do trabalho com a culinária.

A inspiração que faz a empreendedora e gastrônoma Suellen Karina, 38 anos, preencher a vitrine de sua doceria vem de sua mãe. Muito antes de pensar em criar a La’Doceriana, Suellen conta que já aprendia a preparar os mais variados doces dentro de casa. “Tudo começou desde a minha infância mesmo. Eu trago essas raízes da minha mãe. Eu fui criada, junto com mais dois irmãos, fazendo essas coisas”, recorda. “Então, hoje a gastronomia que eu apresento para os meus clientes é a dos doces afetivos. É algo que remete à minha infância e era algo que eu fazia junto com a minha mãe para a gente ter a nossa renda. A minha mãe é a minha grande inspiração”.

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Suellen conta que a mãe sempre foi dona de casa e não abria mão de preparar, ela própria, os bolos e doces das festas de aniversário dos filhos. À medida que Suellen foi ficando mais velha, foi crescendo nela o gosto pela confeitaria e, depois de alguns anos, ela decidiu tomar esse talento e a inspiração vinda da mãe para gerar renda.

“Eu comecei a trabalhar com os doces porque a minha mãe já não estava mais dando conta e, dentro da nossa casa, a única renda era a minha. Mas, mesmo eu sendo CLT, a renda não dava porque nós éramos várias pessoas em casa. Então, eu consegui contornar fazendo a junção do trabalho como CLT e o empreendedorismo. Eu fazia o doce, levava para o trabalho, já oferecia lá e assim com isso eu fui tomando gosto”.

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A decisão de estudar gastronomia e sair do emprego com carteira assinada para se dedicar ao seu negócio veio depois que Suellen passou por um momento difícil de perdas familiares. E foi na gastronomia o caminho encontrado para superar o momento de maior tristeza.

“Quando eu perdi a minha mãe foi um choque muito grande, eu fiquei querendo desistir de tudo. Depois de dois anos, eu também perdi o meu pai. E depois que eu perdi ele, eu pensei em fazer algo por mim. Foi quando eu fui estudar e me formei, recentemente, em gastronomia”, conta. “Eu decidi fazer o que eu gosto, o que está dentro de mim, o que me move. E também foi um dos meios que eu encontrei para sair da depressão que eu estava pela perda da minha mãe e, logo em seguida, pela perda do meu pai”.

Através dos doces afetivos que produz, a gastrônoma não apenas garante a sua fonte de renda, mas também encontra uma maneira de sentir a presença da mãe com ela. Vendo o negócio prosperar e sabendo a importância que a gastronomia tem na sua vida, Suellen já tem planos futuros de levar esse conhecimento também para outras mulheres.

“O meu projeto é trabalhar e apresentar a gastronomia, seja de comida quente ou pela confeitaria, para aquelas pessoas que estão em vulnerabilidade social, para aquelas mães solo que criam seus filhos e que acham que não conseguem mais, mas conseguem sim. Eu pretendo montar em um espaço culinário para dar um curso de baixo custo”, planeja. “Acredito que a confeitaria em si, ou a gastronomia no geral, salva vidas. Às vezes a gente pensa que está tudo acabado, mas não. Quando a gente se descobre, que foi o que aconteceu comigo, a gente começa a voar”.

MÃE

O voo de Maria Helena Galdino, empreendedora e idealizadora do Sabor da Nega, também teve uma participação fundamental de sua mãe. Também foi a partir do conhecimento repassado pela mãe, que ela encontrou um meio de garantir a renda familiar depois de sair do trabalho em um ramo completamente diferente.

“Eu trabalhava no setor do comércio, em shopping, em lojas de sapatos. Mas, a situação apertou aqui em casa, desde que a minha mãe adoeceu e eu saí da última loja em que eu trabalhei”, lembra. “Foi uma dificuldade tremenda porque somos apenas eu e a minha mãe, eu não tenho irmãos. E eu comecei a fazer alguns pratos em casa. Eram coisas que a minha mãe sempre gostou de cozinhar”.

No início, Maria Helena conta que os pratos que ela preparava eram apreciados por amigos. As delícias eram preparadas e servidas na casa da empreendedora, no seu quintal. Com o tempo, começou a incrementar os pratos, a oferecer também a bebida, e o sabor foi levando os amigos a chamarem outros amigos. “Acabou surgindo o ‘Quintal da Nega’, mas alguns vizinhos começaram a se incomodar e eu encerrei e comecei a vender mingau de milho na porta da vila onde eu moro. Depois eu passei a fazer café da manhã”.

Vencendo as dificuldades que apareciam ao longo do percurso, inclusive a necessidade de mudar o tipo de comida oferecida, Maria Helena seguiu firme no ramo da gastronomia. E assim que teve oportunidade, retornou aos preparos de pratos típicos da culinária paraense. “Chegou uma época em que uma tia minha encontrou um quiosque na avenida 25 de Setembro e foi quando eu comecei o ‘Sabor da Nega’, o nome que ficou até hoje. As pessoas falavam ‘o sabor da nega é ótimo’ e ficou esse nome”, lembra. “É muito bom ouvir quando a pessoa gosta do nosso caranguejo, da nossa maniçoba porque a gente acorda de madrugada para fazer tudo com todo esse carinho”.

Maria Helena conta com sua mãe no preparo dos pratos e as delícias preparadas pelas duas marcam presença em eventos. Entre os pratos mais pedidos, Maria Helena destaca a casquinha de caranguejo, a maniçoba, a lasanha paraense e o Pirarucu da Dalva, batizado em homenagem à mãe. “Foi com ela que eu aprendi a gostar de cozinhar. Ela me puxava, me chamava para aprender. E é um ensinamento que fica para a vida porque hoje é o meu trabalho, é a minha fonte de renda, e é uma coisa que eu amo. Um dia eu estou em uma feira, outro em um festival, um evento e eu gosto de lidar com as pessoas, de mostrar o nosso trabalho que nós fazemos com toda dedicação e amor”.

Quintal da Zezé

Foi também no quintal de casa que a cozinheira marajoara Zezé Gama deu início à relação profissional com a gastronomia. Mas, mesmo antes de perceber que a sua boa mão para a cozinha poderia ser a sua fonte de renda, ela conta que herdou o talento culinário dentro da própria família. “Eu acho que, na realidade, os nossos dons culinários vêm de família porque todo mundo na minha casa cozinha um pouco. Eu não passei por nenhum curso culinário, tudo eu fui aprendendo olhando as pessoas fazerem”.

Nascida em Cachoeira do Arari, no Marajó, Zezé lembra que passou um período trabalhando na casa de uma família em Belém, acompanhando uma idosa. Sempre que podia, ela aproveitava para observar o trabalho de uma cozinheira de mão cheia que também trabalhava na casa. Foi olhando o que ela fazia, que Zezé começou a aprender. “Eu fui aprendendo alguma coisa, mesmo sem cozinhar, só olhando, e quando chegou no momento de eu de eu aplicar, eu já tinha uma ideia”, conta. “Eu casei cedo, com 18 anos, então eu já precisava fazer a comida de casa. Depois a gente vai aprendendo com o tempo, vai conhecendo um pouco daqui e dali e vai aplicando”.

Aplicando o seu talento para alimentar a própria família, Zezé viu a oportunidade de começar a trabalhar com a gastronomia chegar por acaso. Sócia do Museu do Marajó, que fica em frente a sua casa, em Cachoeira do Arari, Zezé foi convidada a cozinhar para alguns universitários do curso de biblioteconomia que foram até o museu fazer a catalogação dos livros da biblioteca.

Sem quase nenhuma opção de restaurante na cidade, à época, ela foi quem garantiu o preparo da comida dos estudantes. A partir dessa movimentação, porém, outras pessoas da comunidade começaram a perguntar se ela trabalhava vendendo marmitas. “Eu entregava as marmitas para ir lá para o local onde eles dormiam, lá no Museu. Só que o pessoal começou a ver eu sair com a Maritex daqui e entendeu que eu estava fazendo venda de comida e começou a ter a procura. Eu explicava que não estava vendendo, que estava preparando apenas para o pessoal que estava aí no Museu. Mas depois eu fiquei pensando: ‘será que vai dar certo vender comida?’”.

Foi então que Zezé decidiu preparar uma quantidade um pouco maior de comida para o caso de aparecer alguém interessado em comprar. E os interessados apareceram, até que um desses clientes sugeriu a ideia que deu origem ao, hoje, Restaurante Quintal da Zezé. “Comecei fazendo assim, sem pretensão nenhuma. Se aparecesse alguém para comprar, eu vendia. Se não aparecesse, ficava aí e a gente comia. E assim fui indo”, lembra. “Aí chegou uma outra equipe, agora da Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó, e vieram perguntar se eu fazia almoço e eu disse que sim. Só que eles não queriam marmita, perguntaram se eu não teria como arrumar uma mesa pra eles comerem aqui. Ajeitei tudo, eles vieram almoçar e dentre eles veio o meu anjo da guarda que foi quem me deu a luz que eu estava precisando: ele veio no meu quintal e disse ‘Dona Zezé, a senhora tem um quintal muito bonito, por que a senhora não faz um puxado aqui para trabalhar vendendo comida?”.

Ainda com outro nome, o restaurante começou a funcionar com quatro mesas pequenas. O sabor da comida preparada por Zezé foi levando outras pessoas a conhecerem o espaço e ela decidiu focar a sua culinária nos pratos tradicionais marajoaras. Agarrando as oportunidades que foram surgindo ao longo dos anos, viu a sua culinária ficar conhecida e lhe levar para outros estados para apresentar as tradições da cozinha marajoara em eventos com chefs de cozinha conhecidos internacionalmente. “ Em 2015 eu me formalizei, em 2017 a gente passou a ser assistida pelos Sebrae e foi só crescimento, não só profissional, mas também de conseguir divulgar a nossa culinária fora do estado”, conta. “Então, foi assim, tudo por acaso. As coisas foram acontecendo, eu fui deixando e cheguei hoje aqui. E a gente continua na defesa da culinária marajoara, e eu quero permanecer mostrando o que é o nosso tradicional, como a gente recebeu dos nossos antepassados”.


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