História: Quando a vontade de viver se multiplica por dois

Publicado em 23/02/2025

Era janeiro de 2022 e a jornalista paraense Jumara Nascimento havia se mudado há seis meses de Belém para a cidade de Porto, em Portugal, por conta da transferência de trabalho do marido, o também jornalista Sérgio Augusto. Ainda se acostumando com a vida na Europa, ela tinha vários planos, que incluíam continuar o curso de Direito que fazia no Brasil e também seguir para o Doutorado. Um desmaio no banheiro e uma internação emergencial levaram a não somente um, mas dois diagnósticos que acabaram adiando tudo isso: Jumara descobriu-se portadora de duas doenças raras, mieloma múltiplo, um câncer sanguíneo de pouca incidência e sem cura, e amiloidose AL ou amiloidose primária, ligada à primeira e que afeta órgãos vitais.

Data instituída em 2008 pela Organização Europeia de Doenças Raras (Eurordis) para conscientizar a população sobre o tema, bem como incentivar a pesquisa científica para ajudar pacientes e familiares, o Dia Mundial das Doenças Raras é celebrado anualmente no último dia de fevereiro, e esse ano será celebrado na próxima sexta-feira, 28 – já que o calendário de 2025 não tem 29, o dia mais raro do calendário ocidental. Estima-se que mais de 300 milhões de pessoas no mundo convivem com uma das sete mil doenças raras catalogadas pela Medicina. Um levantamento encomendado pela Pfizer em 2021 mostrava que três a cada dez pessoas desconheciam esses tipos de enfermidades no Brasil, onde cerca de 13 milhões convivem com alguma doença rara, segundo o Ministério da Saúde.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define doença rara como aquela que afeta até 65 pessoas por cada 100 mil indivíduos. Isto significa que 1,3 em cada duas mil pessoas têm uma doença rara. Jumara passou por uma enorme quantidade de médicos especialistas para conseguir confirmar o que a afetava, sendo que os sintomas na verdade haviam começado um mês antes, em dezembro de 2021. “Sentia muito cansaço, surgiram algumas manchas roxas pelo corpo e eu fui ficando cada vez mais debilitada”, lembra.

No Brasil, o Dia Nacional das Doenças Raras foi oficializado pela Lei nº 13.693, de 10 de julho de 2018. São exemplos dessas comorbidades, além do mieloma múltiplo e da amiloidose AL, a distrofia muscular de Duchenne, a fibrose cística, a esclerose lateral amiotrófica (ELA), a hemofilia, o angioedema hereditário e a doença de Gaucher.

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CHOQUE

No hospital, Jumara sofria de insuficiência cardíaca grave e tinha a membrana pleural cheia de líquido, o que a deixou um mês internada. Em meio a isso, a equipe médica que lhe atendia investigava como uma pessoa jovem e saudável estava acometida de uma doença tão grave e que costuma atingir pessoas a partir de 63 anos – à época, Jumara tinha 46. O mieloma tem origem na medula óssea e por vezes é acompanhado de doenças secundárias, o que levou à suspeita de que a jornalista poderia também ter a amiloidose AL, ainda mais rara que o próprio mieloma, e que afeta principalmente o coração. No cenário das doenças raras, Jumara fechou cartela: só 12% dos pacientes com mieloma desenvolvem a amiloidose AL.

Jumara recorda que recebeu com choque os diagnósticos – com um mês de diferença entre um e outro -, até porque chegaram a cogitar necessidade de transplante cardíaco, e houve médico que afirmasse que ela teria apenas seis meses de vida, tão grave era seu quadro de saúde. “Eu tinha que fazer quimioterapia para conter o mieloma, mas eu não tinha condições de aguentar o tratamento. Cheguei a perder os movimentos, fiquei em cadeira de rodas, com cuidados integrais e sem conseguir me movimentar sozinha”, detalha. Foram duas internações nos primeiros três meses de 2022, e nesta segunda foi que ela já foi dada como apta para iniciar a primeira de sete sessões de quimio que tinha de fazer.

Se era uma vitória conseguir dar início ao tratamento oncológico, Jumara conta que dali em diante enfrentou muitas dificuldades pelos efeitos colaterais. “Muito emagrecimento, muita perda de cabelo, fiquei sem andar. Mas se eu conseguisse superar esses sete ciclos e controlar os níveis do meu organismo, eu seria encaminhada para um transplante autólogo de medula óssea. Só que parte desse procedimento envolve a destruição total da ‘medula antiga’, e aí você fica alguns meses sem defesa nenhuma, sujeita a todo tipo de infecção. E completamente isolada”, relata.

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Entre os cuidados médicos e o ativismo na causa

O transplante foi feito e a recuperação foi de cem dias, sendo apenas 15 desses nos hospital dada às boas respostas do organismo de Jumara ao tratamento. O desenho original previa que, assim que ela estivesse mais firme, seria colocada na fila do transplante cardíaco. Só que aí veio outra surpresa: novos exames mostraram que a insuficiência cardíaca dela havia regredido consideravelmente, uma melhora considerada impressionante.

“Hoje consigo fazer atividades físicas, claro, nada muito pesado, mas voltei à rotina, voltei a estudar, a viver minha vida. Na espiritualidade, na meditação eu encontrei formas de aceitar tudo o que aconteceu, todos os danos físicos que as doenças me causaram, e assim eu segui”, conta Jumara, que acabou se tornando uma ativista da causa das doenças raras. “Ajudar outras pessoas também me ajuda”, justifica.

Hoje a jornalista é coordenadora do grupo de apoio a pacientes do International Myeloma Foundation Latin America e participa como voluntária do Instituto Ana Michelle Soares, também chamado de PaliAtivas, em homenagem a uma das vozes mais importantes na causa dos cuidados paliativos, e que faleceu em 2023, aos 40 anos, enfrentando um câncer de mama. “Os cuidados paliativos não são de fim de vida, eles começam quando se tem diagnósticos de doença grave e/ou incurável você já precisa desse tipo de tratamento. Claro que, em algum momento, haverá uma etapa final, mas não é a única. Eu mesma sou paciente de cuidados paliativos, tomo uma determinada medicação de controle, mas pode ocorrer uma recidiva e eu precisar de outro protocolo, por exemplo”, analisa. Ela usa seu perfil no Instagram (@jumaranas cimento_oficial) para falar sobre os desafios de superviver, como ela mesma diz, com duas doenças raras.

Jumara acredita que se estivesse morando no Brasil, não teria acesso à medicação específica de controle do mieloma, que é a lenalidomida – uma caixa de 21 comprimidos aqui custa cerca de R$ 40 mil, e quem não pode pagar precisa entrar na Justiça para ter acesso, porque o Sistema Único de Saúde (SUS) não disponibiliza.

“O cenário de doenças raras no Brasil é nebuloso. Falta acesso digno à medicação, ao tratamento. Por isso é muito importante a adesão em massa quando são abertas aquelas consultas públicas sobre novos tratamentos, drogas, assim como petições da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que as pessoas assinem, apoiem, para que o paciente possa receber aquilo que precisa”, recomenda.


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