Jovem com Tourette conquista empatia na web; entenda a síndrome
Publicado Diário FMem 30/03/2025
A realização de movimentos ou a emissão de sons de forma totalmente involuntária, sem que seja possível controlar, é uma das características da síndrome de Tourette, ainda pouco conhecida, mas que vem começando a ser mais discutida nas redes sociais através do perfil que compartilha a rotina do jovem Nicolas Matias, de 11 anos. Os vídeos descontraídos, que registram alguns dos tiques apresentados pelo jovem que mora em Belém (PA) têm conquistado a empatia de milhares de seguidores.
Responsável pela gravação dos vídeos e pela administração da conta nas redes sociais, a mãe de Matias, Nágila Rocha, conta que a iniciativa de compartilhar os vídeos surgiu da preocupação com a forma como as pessoas interpretariam os tiques apresentados pelo filho em decorrência da síndrome. Isso porque uma das formas do Tourette se manifestar no Matias é através da chamada coprolalia, termo médico que define a expressão involuntária de palavras obscenas ou do que se conhece como ‘palavrões’.
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“A coprolalia veio depois de um ano que ele tinha recebido o diagnóstico de Tourette. Ele já fazia os gestos, mas depois veio a coprolalia e aí foi quando eu voltei com o médico que fez o diagnóstico e ele até brincou dizendo que o Matias tinha sido ‘premiado’ porque só 10% dos pacientes com Tourette têm coprolalia, é uma porcentagem bem pequena”.
Nágila conta que Matias recebeu o diagnóstico de síndrome de Tourette ainda aos nove anos de idade. Os primeiros sinais se manifestaram através de pequenos gritos, depois pela repetição excessiva de tudo o que ele ouvia. Foi quando Nágila percebeu que havia alguma mudança no comportamento do filho.
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“Eu comecei a achar isso estranho porque ele era muito comunicativo e eu vi que ele também ficou mais quietinho no canto dele. Aí fazia os ruídos, dava os gritos e isso foi aumentando até o ponto em que ele passava o dia todinho gritando, isso aconteceu em um intervalo de, mais ou menos, uns três meses”, conta. “Aí teve um dia que ele começou a gritar de manhã e só foi parar à noite. E ele parou porque a gente levou ele no hospital, fizeram uma medicação calmante, um monte de remédio pra ele se acalmar e aí foi que ele se acalmou”.
Na época, a família ainda morava em Macapá, no estado do Amapá. Depois desse atendimento, Nágila conta que ela e o filho voltaram para casa, porém, no dia seguinte ele apresentou novamente os sintomas e, daquela vez, de forma mais prolongada. “No outro dia aconteceu de novo só que dessa vez ele passou três dias gritando. Ele ficou três dias internado na psiquiatria do pronto-atendimento em Macapá, que nós somos de lá, até que passou um psiquiatra que, por sorte, já tinha tratado uma pessoa com Tourette há alguns anos. E quando ele viu o Matias, ele já identificou porque o diagnóstico do Tourette é clínico, não tem exame que diagnostique”, lembra, ao contar que até aquela altura os familiares não tinham ideia do que poderia estar acontecendo com o Matias. “Esse médico me chamou no cantinho e falou: ‘Eu já sei o que o teu filho tem, fica tranquila’”.
LAUDO
Com o laudo da síndrome de Tourette em mãos, Nágila conta que o sentimento foi de alívio por saber o que Matias tinha e por, a partir daí, ser possível tratar a condição. “Quando veio o diagnóstico eu senti um alívio porque, na verdade, a gente achou que ele tinha caído e batido a cabeça, era o que a gente pensava. Então, quando veio o diagnóstico da Tourette a gente ficou muito aliviado porque a gente viu que era uma síndrome que ele ia ter que lidar a vida toda, mas que tinha controle”.
Depois de um ano do diagnóstico, Matias começou a apresentar a coprolalia e foi neste momento que Nágila pensou em compartilhar parte da rotina do filho nas redes sociais, de forma descontraída, para desmistificar e conscientizar sobre a existência da síndrome de Tourette e das diferentes manifestações que ela apresenta.
“Eu tinha muito medo de como as pessoas iriam lidar com ele, principalmente depois que ele não estivesse mais comigo, na adolescência, quando ele começasse a sair sozinho. E aí eu parei para prestar atenção que eu não conhecia ninguém famoso, ou algo do tipo, que trouxesse mais essa conscientização sobre a síndrome de Tourette”, recorda. “Então, eu comecei a gravar sem ele perceber. Era quando ele estava indo para a escola e eu ia gravando por trás porque ele saía daqui de casa até a escola xingando todo mundo, fazendo os gestos dele. Então, eu comecei a gravar e, por acaso, viralizou”.
O primeiro vídeo que obteve um grande alcance nas redes sociais foi um em que Nágila e Matias seguem caminhando até um comércio próximo da casa deles, no bairro da Marambaia, em Belém. Em outro vídeo, mãe e filho caminham até a escola dele e, durante todo o percurso, Matias segue fazendo os tiques. O tom descontraído dado às gravações acabou gerando o apoio de muitos internautas que acompanham o perfil, fãs que o pequeno Matias acabou conquistando com o seu jeito doce ao explicar que não tem controle sobre os xingamentos, que não os expressa porque quer. “Eu me sinto bem porque agora eu sei que as pessoas vão entender os meus tiques”, comenta o jovem que, algumas vezes, já é reconhecido quando vai com a mãe ao shopping. Grande companheira de Matias, a sua irmã, Nicole Maitê, de 8 anos, também interage com ele nas gravações.
Mais do que os momentos de descontração que despertam em quem assiste aos vídeos, a iniciativa de compartilhar a rotina de Matias também levou ao encontro, ainda que virtual, de Nágila com outras mães de crianças e jovens diagnosticados com síndrome de Tourette.
“A gente tem um grupo no WhatsApp que já tem mais de 50 mães de filhos com síndrome de Tourette que eu converso porque elas têm muitas dúvidas. E o engraçado é que tem três mães nesse mesmo grupo que os filhos têm coprolalia”, conta Nágila. “A gente troca experiências porque os tiques variam de um para o outro. Cada criança é um tipo de tique, tem uns que são mais motores outros mais vocais. A gente troca experiências também com relação à medicação: agora que ele começou com canabidiol ele tem melhorado bastante. Se você comparar o antes com agora, ele está mais tranquilo. Então, eu sempre estou trocando ideia com várias pessoas que têm dúvidas porque é uma síndrome muito pouco falada”.
Primeiros sinais se manifestam na infância
A médica neurologista infantil e professora do curso de medicina do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade do Estado do Pará (CCBS/Uepa), Juliana Pastana, explica que a síndrome de Tourette (ST) é um distúrbio neurológico manifestado por tiques motores e vocais (emissão de sons) com início ainda na infância. “Por definição, não é considerada uma síndrome rara, mas é um transtorno com uma prevalência global estimada em 0,5% da população e afeta com mais frequência homens do que mulheres”.
A pediatra aponta que os primeiros sinais da síndrome de Tourette são a ocorrência de movimentos corporais ou emissão de sons que acontecem de repente, de forma breve e que tem intervalos. “Para diagnosticar a síndrome de Tourette, os sinais devem surgir antes dos 18 anos. A idade média de início é de aproximadamente 6 anos e o transtorno se manifesta aos 11 anos em 96% dos pacientes”, explica. “A gravidade dos tiques geralmente atinge um pico no início da adolescência, seguida de melhora na maioria durante a adolescência e a idade adulta”.
Juliana explica, ainda, que os sinais da síndrome de Tourette não surgem na vida adulta, mas pode haver casos em que o paciente apresenta o quadro clínico desde a infância ou adolescência, mas não foi identificado antes, passando a receber o diagnostico já na vida adulta. Essa avaliação cuidadosa é fundamental para o diagnóstico, já que os tiques variam para cada indivíduo. “A avaliação de um paciente com suspeita de síndrome de Tourette deve incluir uma revisão cuidadosa dos históricos médico, social e familiar. O profissional de saúde deve avaliar as características dos tiques pelo histórico e pela observação, seja diretamente ou por gravação de vídeo, pois isso é fundamental para o diagnóstico”, aponta a pediatra.
“Algumas pessoas podem ter tiques motores simples, tais como piscar de olhos e caretas e outros manifestarem movimentos mais complexos, por exemplo chutar, pular e fazer gestos obscenos. Os tiques vocais (emissão de sons) podem ser simples, como por exemplo grunhidos, latidos, gemidos, pigarros, fungadas e berros; ou complexos, quando há emissão de palavras obscenas e repetição de palavras. Para o diagnóstico, é necessário que o indivíduo tenha múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vocais presentes em algum momento durante o quadro, embora não necessariamente ao mesmo tempo”.
Ainda que não haja cura, há tratamento para a síndrome de Tourette, o que pode ajudar a amenizar os sintomas. Juliana Pastana explica que o tratamento específico da síndrome de Tourette é orientado pela necessidade de tratar os sintomas mais incômodos. “Pacientes que têm tiques leves e não incapacitantes devem receber orientação e cuidados de suporte, com a conscientização da criança e dos pais sobre a natureza dos tiques, sua relação com fatores psicodinâmicos e o manejo. Pacientes com tiques que estão causando problemas psicossociais, físicos, funcionais ou outros, orienta-se treinamento de reversão com intervenção comportamental”, esclarece. “O tratamento com medicamentos deve ser usado somente quando houver comprometimento significativo da qualidade de vida ou quando houver comorbidades psiquiátricas responsivas a remédios que tratem tanto os tiques quanto as comorbidades”.
SEGUIDORES
l Juntos, os dois perfis onde Nágila compartilha a rotina do pequeno Matias no Instagram já reúnem mais de 750 mil seguidores. Quem quiser conhecer um pouco mais da história do jovem, pode acessar o @nagilarochaz e o @nagilarochax.
Confira: