Justiça nega habeas corpus em caso de desvio R$ 261 milhões

Publicado em 23/07/2024

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou pedido do empresário Elton dos Anjos Brandão para suspender o Procedimento Investigatório Criminal (PIC) sobre o desvio de R$ 261 milhões do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Pará (Iasep) para o Hospital Santa Maria de Ananindeua, do qual Elton é proprietário.

O PIC foi ajuizado pelo Ministério Público do Pará (MPPA), que aponta o empresário como chefe da suposta quadrilha que teria desviado esse dinheiro. O DIÁRIO apurou que o MPPA também teria pedido a inclusão nas investigações do prefeito de Ananindeua, Daniel Barbosa Santos, que foi um dos donos do Santa Maria, por indícios de envolvimento dele no caso. Entre 2014 e 2022, Elton e Daniel foram os únicos donos do hospital. As fraudes teriam ocorrido de 2019 a meados de 2023.

A decisão do STJ é do último 24 de junho e está assinada pelo ministro Rogério Schietti Cruz, o relator do pedido de Elton Brandão àquele tribunal. O ministro se negou a “conhecer” do Habeas Corpus ajuizado pelo empresário. Para que um pedido seja “conhecido” (recebido) pela Justiça, é preciso cumprir determinadas exigências. Se não, ele será rejeitado de pronto, sem que a sua questão central (o “mérito”) seja nem mesmo analisada.

No caso de Elton Brandão, o ministro entendeu que ele não esgotou todas as possibilidades de recurso no Tribunal de Justiça do Pará (TJPA). Em seu artigo 105, inciso II, alínea “a”, a Constituição Federal determina que só se pode recorrer ao STJ após uma decisão final, irrecorrível, do tribunal federal ou estadual no qual estava o processo. Mas o empresário resolveu queimar etapas e partir para o STJ.

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Foi assim: a investigação do MPPA sobre o desvio de dinheiro do Iasep começou no início deste ano e tramitava na Vara de Combate ao Crime Organizado. No último 29 de abril, houve uma operação policial de busca e apreensão, para desbaratar a quadrilha, e o juiz também decretou o sequestro dos bens de todos os supostos integrantes dela.

Só que o material apreendido (celulares, computadores, documentos) teria revelado indícios de envolvimento do prefeito Daniel Barbosa Santos nesses crimes. Com isso, a investigação teve de ser transferida para os desembargadores do TJPA, já que prefeitos possuem “foro privilegiado”: só podem ser processados na “segunda instância”, ou seja, nos tribunais.

MEDIDAS

Na “segunda instância”, Elton pediu ao desembargador encarregado do caso (ou seja, o relator) que ele anulasse a investigação e revogasse as medidas decretadas pelo juiz da Vara de Combate ao Crime Organizado, incluindo o sequestro de bens. Mas o desembargador rejeitou os pedidos. Assim, o empresário apresentou um recurso para que a questão seja decidida não mais pelo relator sozinho, mas pelo conjunto dos desembargadores do TJPA. Só que esse recurso ainda não foi julgado. Daí a recusa do ministro Rogério Schietti Cruz de ao menos analisar o Habeas Corpus de Elton.

Nele, o empresário alega, principalmente, que a investigação é nula porque teria sido aberta com base apenas em uma denúncia anônima. Mas o ministro Schietti Cruz salienta, em sua decisão, que essa alegação ainda não foi nem sequer analisada pelo desembargador-relator do TJPA, o que reforça a ideia da queima de etapas, ou “supressão de instância”.

Além disso, enfatizou o ministro, nem mesmo o Habeas Corpus apresentado pelo empresário e seus advogados é o instrumento processual adequado para a questão. É que Elton alegou ser vítima de “coação ilegal”, por causa da decisão do desembargador-relator do TJPA de manter o sequestro de seus bens. Mas o ministro observou que Habeas Corpus diz respeito à liberdade, ao direito de ir e vir, e não a restrições patrimoniais.

No pedido, Elton também alegou que a operação de 29 de abril “não trouxe nada de relevante” contra ele. Também disse que inexistiram requisitos legais para a operação de busca e apreensão e para o sequestro de seus bens. Ele pediu, em caráter “liminar” (imediato), a suspensão do PIC do MPPA, a revogação do sequestro e a devolução dos bens apreendidos na operação policial. No mérito (ou seja, como questão central), requereu a nulidade da portaria de abertura do PIC, com o trancamento das investigações. O Habeas-Corpus é o 920741/PA.

Foram várias as fraudes

Segundo o MPPA, foram várias as fraudes que resultaram nesse desvio de R$ 261 milhões. Entre elas, atendimentos fictícios e superfaturamentos de até 1000%, nos preços cobrados pelo Hospital Santa Maria de Ananindeua, pelos serviços realizados para o Iasep, que é o plano de saúde do funcionalismo estadual.

O superfaturamento era tão disseminado que atingia até produtos como as agulhas usadas em serviços hospitalares. Pela tabela do Iasep, elas deveriam custar 30 centavos, a unidade. Mas o Santa Maria cobrava (e recebia) R$ 18,10 a unidade, ou 60 vezes mais.

Ainda segundo o MPPA, integrantes da suposta quadrilha teriam manipulado os “sistemas de fiscalização” do Iasep, para permitir esses pagamentos ilegais. O “esquema criminoso” teria se estendido de 2019 até meados de 2023, quando investigações internas do próprio Iasep levaram a várias demissões de funcionários.

O chefe da suposta “organização criminosa”, diz o MPPA, era Elton Brandão, dono do hospital. E quem fazia a ponte entre Elton e o Iasep era Ed Wilson Dias e Silva. Tanto que só após reuniões com ele é que André Luiz Oliveira de Miranda, que coordenava a quadrilha dentro do Iasep, acionava outros servidores, “para acelerar ou diminuir o volume do esquema”.

Elton Brandão e Ed Wilson eram homens de confiança de Daniel Santos. Ed Wilson foi chefe de Gabinete e diretor de Planejamento Estratégico do prefeito, de 2021 até 05 de abril deste ano, só se afastando de cargos estratégicos da Prefeitura às vésperas da operação policial de 29 de abril. Ele também teria sido chefe de Gabinete da Assembleia Legislativa do Pará, quando ela foi presidida por Daniel.

Elton era ainda mais próximo de Daniel. Tanto que acabaram indo morar, como vizinhos, no mesmo condomínio de luxo, em Ananindeua. Ambos médicos, se conhecem pelo menos desde 2013, quando Elton fundou o Santa Maria e Daniel foi trabalhar lá. Em 2014, Geciara dos Santos Barbosa (outra das envolvidas na suposta quadrilha) se afastou do hospital. E quem assumiu o lugar dela, como sócio do Santa Maria, foi Daniel.

Formalmente, quem administrava o Santa Maria era Elton. Mas o Cadastro Nacional de Estabelecimentos Saúde revela que era Daniel quem mais estava presente no hospital. Já Elton trabalhou no Santa Maria e em uma filial do hospital, em Marituba; na UPA II de Ananindeua e no Maranhão.

Crescimento acelerado

O Santa Maria nasceu em um prédio antigo, mas virou um edifício de vários andares e um dos maiores hospitais da Região Metropolitana. O seu faturamento saltou de R$ 13,3 milhões, em 2014, para R$ 82,6 milhões, em 2019; e para R$ 156 milhões, em 2022, em valores atualizados. Um crescimento acelerado que coincidiu com a ascensão política de Daniel: ele se elegeu e reelegeu vereador, em 2012 e 2016; elegeu-se deputado, em 2018; presidiu a Alepa, em 2019 e 2020, quando se elegeu prefeito.

Hoje, Daniel e parentes dele possuiriam uma fortuna que pode ultrapassar R$ 50 milhões, entre fazendas, aviões, cavalos de raça e milhares de cabeças de gado, no município de Tomé-Açu. Um desses aviões, um King Air, aliás, foi transferido do Santa Maria para a Agropecuária JD Ltda, que pertence a Daniel, três dias depois da operação policial de 29 de abril, apesar da ordem judicial de sequestro de bens de Elton Brandão e do hospital.

De janeiro de 2013 até o mês passado, tudo o que Daniel ganhou em salários, como político, soma R$ 2,256 milhões, já incluindo o 13º, em um cálculo tendo por base a remuneração atual desses cargos. Para acumular uma fortuna de R$ 50 milhões, ele teria de trabalhar mais de 115 anos com a sua remuneração mais alta, que foi de R$ 33.006,39 mensais, como deputado estadual.


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