Leia trechos de livro que virou alvo de polêmica em escolas

Publicado em 18/03/2024

O romance “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, vem sendo alvo de um movimento conservador que critica seu uso nas escolas e pede seu recolhimento de bibliotecas de colégios.

O livro vencedor do prêmio Jabuti foi selecionado pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático para ser trabalhado por educadores com seus alunos, mas pais e ativistas vêm pressionando para que o livro seja vetado desses espaços, com respaldo de gestões estaduais.

Depois de uma diretora de escola no Rio Grande do Sul viralizar pedindo o banimento do livro, ele passou a ser retirado de escolas no Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul, num movimento tem sido acusado de censura.

A Companhia das Letras, editora responsável pela publicação da obra, entrou na Justiça com um mandado de segurança para barrar o recolhimento dos livros no Paraná. O secretário de Educação do estado afirma que o livro infringe o Estatuto da Criança e do Adolescente.

O argumento principal dos críticos é que “O Avesso da Pele” tem cenas de teor sexual que não seriam adequadas para aquele público.

No romance, escrito quase todo na segunda pessoa, um jovem negro se dirige a seu pai, que foi assassinado em uma abordagem policial, tentando compreender sua vida e retraçando os efeitos que o racismo teve em seu amadurecimento, em sua formação como professor e em suas paixões.

Os trechos que abordam sexo surgem nesse contexto. Primeiro, numa cena em que o protagonista discute como os estereótipos ligados à negritude também aparecem na questão de anatomia e performance sexual.

“Acontece que, em pouco tempo, você não só passou a ser o negão da família, como também passou a ser uma espécie de pararraios de todas as imagens estereotipadas sobre os negros: pois disseram que você era mais resistente à dor, disseram que a pele negra custa a envelhecer, que você deveria saber sambar, que deveria gostar de pagode, que devia jogar bem futebol, que os negros são bons no atletismo. […] Enquanto isso, a Juliana, por sua vez, era bombardeada pelas primas e amigas que nunca tiveram um namorado negro: e então, como ele é? Tem pegada mesmo, como dizem dos negros? E o pau dele? É grande? É verdade que eles são insaciáveis? Qual o cheiro dele? Juliana ficava incomodada mesmo querendo parecer natural. Não queria falar sobre aquilo, não daquela forma.”

Poucas páginas depois, ainda discutindo a mesma relação do pai com sua namorada branca, o narrador discute como a diferença racial tinha efeitos na intimidade do casal.

“E não demorou muito para que aquela história de raça fosse para a cama junto com vocês. Pois a diferença de cor que antes era algo bonito, delicado e político, agora passou a excitá-los. Um conjunto de discursos raciais foi rapidamente transformado em erotismo. Vem, minha branquinha. Vem, meu negão. Chupa a tua branquinha. Chupa o teu nego. Adoro a tua pele branquinha. Adoro a tua pele, meu nego. Adoro tua boceta branca. Adoro teu pau preto. E de repente vocês gozavam. E dali para a frente será sempre assim que irão gozar. Então, sorrateiramente a raça ocupou um espaço em suas vidas e vocês nem perceberam. Não havia mais volta. O amor estava condicionado e mediado pela raça.”

Em outro momento, o jovem elabora como a relação de seus pais se desgastou pela falta de uma vida sexual ativa.

“No entanto, a cada transa, vocês se sentiam vazios e tristes. Como se pelo sexo vocês tentassem se curar do casamento fracassado. Então, quatro meses depois, vocês se ligaram e disseram coisas bonitas, cheias de lugares-comuns, sobre o amor e a saudade. Não demorou muito para que vocês se reencontrassem. E, assim que vocês se olharam, perceberam que muita coisa já havia se perdido. Mesmo assim vocês insistiram. Você não sabe precisar exatamente como vocês acabaram voltando, no entanto vocês sabiam que o sexo também era um elemento forte. Não que transar fosse a coisa mais importante num casamento, na verdade tinha, claro, a sua importância, você pensava. Mas é que o sexo para vocês nunca foi um problema. Vocês nunca pararam de transar enquanto estavam juntos. Mesmo nos piores momentos, mesmo quando sabiam que o casamento estava na corda bamba, vocês iam para a cama. E talvez isso não fosse algo comum entre casais, que, após certo tempo juntos, vão perdendo a vontade de fazer sexo. E a perda do desejo acontece por muitos motivos, ou porque trabalham muito, dormem tarde e acordam cedo, ou porque simplesmente o corpo do outro não interessa mais. E às vezes você pensava que devia haver casais que já não transavam havia muito tempo. Mas que continuavam juntos, e eram gentis um com o outro. E pegavam na mão um do outro antes de dormir, e conseguiam preservar uma certa ternura nos olhos quando um observava o outro dormindo. E não há tristeza nisso, você pensava.”

E em outra cena, o protagonista narra mais longamente a perda da própria virgindade em meio às inseguranças da adolescência.

“Não sei bem quando um menino de fato perde a virgindade, se quando a gente penetra uma garota, ou se já vale quando você é chupado. O fato é que, no dia em que perdi minha virgindade, foi um tanto esquisito, porque eu nunca tinha usado camisinha, na verdade eu já havia usado apenas para me masturbar quando não queria sujar a mão. Então eu e a Tamires nos deitamos na minha cama, aproveitando que minha mãe estava no trabalho. Naquele dia, tínhamos aula de educação física à tarde na escola, mas matamos aula para podermos transar. O que nos pareceu bastante justo. Nós não chegamos a tirar completamente a roupa porque tínhamos vergonha do nosso corpo. A Tamires achava que tinha os seios grandes demais, então durante toda a transa ela usou uma blusa e sempre a puxava para baixo, com receio de que eu visse os seus seios. Eu também continuei de camiseta, porque achava meu corpo muito magro e não queria que ela reparasse na saliência dos meus ossos. E também porque eu não tinha muito pelo embaixo do braço. E na minha cabeça ser homem era ter muitos pelos no sovaco. Começamos a nos beijar e a passar a mão um no corpo do outro. Então, quando senti que eu estava suficientemente excitado e ela suficientemente excitada, estiquei a mão e peguei a camisinha. Tentei abrir o pacotinho com a mão, mas a embalagem não facilitou; além disso, eu não conseguia fazer as duas coisas ao mesmo tempo: beijar a Tamires e abrir a camisinha. Então, meio que a gente desistiu de sermos sensuais e nos empenhamos em livrar a camisinha daquele pacote escorregadio. Primeiro a Tamires tentou com o dente, mas só conseguiu arrancar um pedacinho. Em seguida foi a minha vez, fui mais incisivo e rasguei a embalagem de fora a fora. Depois de vencermos essa etapa, passei para a tarefa seguinte: me dedicar a manter o pau duro tempo suficiente para desenrolar aquela borracha, que teimava em ir para lá e para cá, tudo isso sob o olhar paciente da Tamires, que àquela altura já devia estar pensando que a aula de educação física era bem mais interessante. Quando finalmente encaixei a camisinha, começamos a nos beijar, e logo em seguida eu a penetrei, e ela deu um único gemido. Nossa transa não durou mais que cinco minutos, porque gozei muito rápido, tão rápido que, quando parei de gemer, a Tamires estava de olhos bem abertos, perguntando se já tinha acabado, eu disse que sim. Ela disse: nossa, mas nem deu tempo de sentir muita coisa. E eu fiquei um pouco ofendido, porque juro que senti muita coisa. Para mim tinha sido uma grande tarde de sexo.”


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