“Madame Teia” é um desastre conformado com o próprio destino
Publicado em 15/02/2024
Dakota Johnson passa boa parte do tempo de “Madame Teia” reagindo. O filme só precisa que algo aconteça para cortar para a atriz, na busca de seu rosto surpreso ou intrigado com a situação que se desenrola. Isso desde algo simples, como a explosão de um balão, até imagens insólitas como a de uma ambulância atravessando um outdoor no meio de Nova York -mesmo que ela esteja no volante.
O procedimento é natural para um filme de ação, em especial de super-heróis, mas a artista bagunça a lógica. O bate e rebate vai na contramão do trabalho da atriz, que se aperfeiçoou em papéis que são alvo da atenção dos outros -quase sempre pelo desejo, como em “A Filha Perdida”, de 2021.
Nesse sentido, o longa inverte o voyeurismo, mas comete o erro de deixar Johnson sem o que fazer -o que é um tédio, para ela e para o público.
O pior é que essa decisão surge para destacar o poder de sua personagem, Cassie Webb, que pode prever o futuro. Uma habilidade para lá de ingrata, se vamos ser honestos, porque ela antecipa só alguns segundos do que vai acontecer. Para a diretora, S.J. Clarkson, o jeito é filmar as cenas várias vezes com resultados diferentes, mostrando Johnson na mesma situação de novo e de novo.
Essa dinâmica até poderia ser interessante, e no começo dá a entender que há um plano para ela. Na história, Cassie trabalha como socorrista, viajando por Nova York em uma ambulância para evitar tragédias e salvar pessoas. Seu poder, invocado sem grande explicação, se torna uma pequena maldição: ela vê o desastre chegando, mas não consegue evitá-lo. O custo, logo no começo, é a vida de um colega.
A isso se soma uma trama no qual ela esbarra quase que por acidente. Quando pega o trem certo dia, ela de repente prevê a morte de três garotas no vagão. O assassino -vivido por Tahar Rahim-, sabemos antes, tem um pesadelo recorrente de ser morto pelas meninas, e quer impedir o futuro cortando o mal pela raiz.
O mais intrigante é que o trio, no sonho, se veste como versões derivadas do Homem-Aranha.
Então Cassie decide impedir a chacina, e dessa vez obtém sucesso na empreitada. A ação dispara uma trama que, complexa como a teia de aranha, sugere que a socorrista tem uma conexão com as garotas. A começar pelo trio ter cruzado o seu caminho nos últimos dias, e depois por todas terem em comum o fato de serem abandonadas pelos pais -o que de alguma forma se relaciona com a posição de órfã da heroína. Cassie, aos poucos, se descobre no centro do caos.
Todas essas informações, juntas, sugerem um filme inusitado e promissor ao extenuado gênero dos super-heróis. A história lembra a dinâmica da franquia “Premonição”, em particular quando se sugere que o futuro seja inescapável, e isso desafia o heroísmo em cena. O vilão vive um drama edipiano ao ser atormentado por tais visões, enquanto a mocinha precisa encontrar o seu lugar na trama maquiavélica.
Mas “Madame Teia” tem outros fins para essa grande artimanha, bem mais entediantes e todos relacionados ao Homem-Aranha. A tragédia grega que acomete o antagonista de alguma forma passa pelo herói aracnídeo, que ainda está para nascer. O filme acontece em 2003, bem próximo à família de Peter Parker, e faz questão de apontar as duas coisas a todo momento.
Esse encontro de destinos fica ainda mais confuso porque o longa mal explica como as duas coisas se conectam, e a confusão vale para tudo. “Madame Teia” a certa altura vira uma maçaroca ininteligível, guiada por eventos bombásticos, falas de efeito e até mesmo uma viagem para o Peru.
Os poderes de clarividência também são abandonados pela narrativa, que inventa novos poderes para a protagonista.
Ou seja, é coisa de produtor insatisfeito, que vê o filme desandar e toma as rédeas para salvar o investimento. Os resultados, como se imagina, são péssimos para a obra.
O mais estranho é que, até aí, nada está fora do normal. Com o sucesso do Homem-Aranha de Tom Holland no Marvel Studios, a Sony -dona do herói- passou a investir em derivados mais baratos do personagem. A produção acelerada, interessada só no lucro, rende filmes que forçam a mão dos clichês, aproveitam a presença de famosos nos papéis principais e terminam bizarros, como os dois “Venom” e “Morbius”.
“Madame Teia” mira isso como objetivo, em especial na esquisitice -o que virou um charme desses projetos, nada ortodoxos na linha de produção do gênero. O problema é que ele parece constrangido e mesmo entediado na posição, e não esconde o seu desgosto do público.
Se Cassie na história aprende que o futuro não é definido, “Madame Teia” está bem conformado em seguir em direção ao precipício. Eis aí um dirigível Hindenburg difícil de se assistir.