Mães que foram guerreiras na maternidade e hoje nos negócios

Publicado em 12/05/2024

Conciliar a maternidade com o empreendedorismo é um grande desafio, conforme opinião unânime entre as mulheres entrevistadas pelo DIÁRIO. Isso se deve, em parte, à dificuldade natural de se destacar no mercado de trabalho, mas que se intensifica quando essas empreendedoras desempenham o papel de mães solo, enfrentando dupla jornada na missão de cuidar dos filhos e de suas empresas.

Segundo estudo recente divulgado pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME), sete em cada dez empreendedoras brasileiras optam por abrir um negócio após se tornarem mães. A principal razão, segundo as entrevistadas, é a busca pela independência financeira para dedicar mais tempo ao cuidado dos filhos e da família, uma tendência que vem crescendo nos últimos anos, garante o RME.

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Uma análise ampla do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) revela que mais de 10,1 milhões de negócios em todo o Brasil são liderados por mulheres, das quais 52% são mães. Dentro desse grupo, uma parte significativa são empreendedoras responsáveis pelo sustento da casa, ou seja, quando não há um parceiro nessa responsabilidade.

No contexto regional, o Sebrae no Pará destaca que 77% das mulheres proprietárias de pequenas empresas são mães. Além disso, a dificuldade de ingressar no mercado formal de trabalho sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi um dos motivos que impulsionou muitas a iniciar no ramo do empreendedorismo, visto como uma boa alternativa de sustento.

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A empresária e mãe Flávia Raiol, 42, que também atua como mentora da RME no Pará, revela que cerca de 90% das mulheres que realizam mentoria atualmente são mães solo, provenientes da periferia de Belém e Região Metropolitana. “Nosso foco está justamente nessas mulheres, para que elas tenham oportunidades, pois são batalhadoras, têm habilidades, sabem fazer, mas carecem de oportunidades”.

OPORTUNIDADE

Flávia enfatiza que os dados divulgados pelas instituições acima refletem a realidade do país e destacam também as especificidades de cada região. “Ser mulher, empresária, mãe solo e nortista é um grande desafio. Mas o objetivo é fazer disso uma mola para impulsioná-las a criar mais, comercializar produtos, mas também ter um tempo para cuidar de si, do filho e criar esse tempo de qualidade”.



Os números do Portal da Transparência do Registro Civil mostram que, só no Pará, mais de 11,7 mil recém-nascidos foram registrados sem o nome do pai. O dado corresponde a 8,96% do total de crianças que vieram ao mundo entre janeiro e dezembro do ano passado. A mesma plataforma conclui que nos cinco primeiros meses de 2024, os bebês sem registros dos genitores superaram 3,5 mil casos.

Mas esses dados, de acordo com Flávia, são apenas detalhes, visto que muitas outras mulheres se tornam mães solo mesmo com o registro do pai na certidão de nascimento da criança. “Então o empreendedorismo passa a ser fundamental para elas, pois dependendo do nicho, dá para conciliar o cuidar do filho com a dos negócios, e ainda ganhar um bom dinheiro com essa rotina”, explica a mentora.

Lays Sampaio, 35, é empresária, dona de um dos pontos de açaí mais movimentados do bairro do Marco e que leva o próprio nome. Há 11 anos, ela teve sua primeira filha, Maria Eduarda, e há 8, nasceu Manuela Sampaio. Hoje, quem vê ela se desdobrando para conseguir dar atenção para as duas sozinha, nem imagina que grande parte do tempo a empreendedora não para de trabalhar.



O trabalho começa de madrugada, por volta das 4h30, quando Lays sai para negociar a fruta na Feira do Açaí, e só termina à noite. “Dependendo do movimento, tem dia que fecho meia-noite”, lembra. “Sou de família de empreendedores, então não poderia fazer outra coisa a não ser isso. Ou seja, me dedico para oferecer o melhor produto e ao mesmo tempo não deixar faltar nada para minhas filhas”.

PROTAGONISMO

Um dos momentos mais marcantes na vida da empresária foi quando se tornou Microempreendedora Individual (MEI). “Desde então tenho um rendimento de quase sete salários mínimos, dependendo da temporada, já tirando o pagamento dos funcionários e das despesas para manter o negócio de pé. Então é algo que vale muito a pena mesmo em um meio onde os homens predominam”, pontua.

A empresa da Lays tem grande importância para o cenário econômico no Pará, visto que esse produto chega a injetar algo em torno de US$ 1,5 bilhão no estado. Além disso, o território paraense é responsável por 95% do açaí produzido no Brasil e quase 50 empresas comercializam o fruto para outras regiões do país, o que representa mais de 1,2 milhão de toneladas do fruto em um ano.



“Tenho ciência da importância da minha empresa em diversos aspectos: o primeiro é que sustento a minha casa e minhas filhas; garanto açaí na mesa dos paraenses; depois que de alguma forma contribuo para a economia girar dentro do estado; e por fim, pois gera emprego e renda, já que hoje possuo funcionários e que depende do meu trabalho para poder sustentar suas famílias”, esclarece Sampaio.

A história de Lays é uma das várias realidades que compõem o cenário de muitas empreendedoras paraenses, como é o caso da Elma Cavalheiro, 48, que se identifica com os dados e as histórias apresentadas, e acrescenta: “Empreender e ser mãe não é fácil, mas é o que me mantém confiante, viva e feliz”. Atualmente, a empresária divide seu tempo com o estúdio de podologia e saúde.

Elma também faz parte da Casa MAB, uma rede de apoio para mães chamada “Mercado Autoral Belém”, que reúne mais de 40 empreendedores criativos de diversos segmentos. Segundo ela, o espaço carrega algo em comum, pois reúne empresárias que estão inseridas dentro do contexto “Quatro Ms”: Mulheres, Mães, Microempreendedoras e Marcas Registradas.



INDEPENDÊNCIA

Ao longo dos anos, além de tomar conta do próprio negócio, Elma Cavalheiro teve outra tarefa “full time”: ser mãe de Anna Paula Alcântara, que hoje tem 25 anos. Segundo ela, a experiência da maternidade, da criação da filha, o cuidado da casa e tudo o que implica em um bom funcionamento do lar são semelhantes ao gerenciamento de uma empresa, pois requer disciplina, sacrifícios e noção de gestão.

“Sabemos que são coisas diferentes, mas posso provar que é parecido, como do ponto de vista da gestão de crises, gerenciamento de prioridades, coordenação de demandas, criação de metas, acompanhamento do desenvolvimento e das falhas, correções a tempo de propor e fazer melhorias. É uma loucura, mas é uma loucura muito gratificante”, ressalta.

Desta forma, empreender requer estratégia, garante a gestora. “Primeiro é entender que uma boa administração de tempo é fundamental, ainda mais que a minha filha é mulher e requer um cuidado mais especial. Além disso, saber que ser dona do próprio negócio tem que trabalhar muito, tanto que eu faço tudo: abro o estúdio, faxino, sou atendente, eu sou a cara da minha empresa. Sou tudo!”.

Atualmente, a empresa da Elma vai muito bem e, por causa da grande demanda, ela abriu uma filial. “Para este ano estamos com uma agenda de eventos. Vou participar do Mercado Autoral e da Pará Negócios. Estamos com um novo empreendimento, com uma nova unidade dentro de um shopping. Então é uma vida de desafios, cansativo, mas se fizer tudo certinho a vitória vem”, finda.



Semelhante a história da Elma Cavalheiro, o Sebrae/PA destaca ainda outra informação, de que a necessidade de cuidar dos filhos influenciou na decisão de abrir o próprio negócio para a maior parte dessas mulheres, sendo que 72% considera que “influenciou muito” e 9% “influenciou um pouco”. E por causa dessa responsabilidade dupla, 82% disseram que já se sentiram sobrecarregadas.


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