Pássaro Junino Japiim: inclusão e consciênca através da arte

Publicado em 28/06/2025

“O Japiim não rejeita”. Essa é uma das características que mais encanta a professora de teatro Neire Lopes, quando se refere à espécie de pássaro preto e amarelo, comum nos céus da Amazônia. Na natureza, o Japiim costuma adotar os filhos de outros pássaros, que deixam os ovos no ninho dele. “Vem daí os apelidos populares com esse nome para pessoas que cuidam de filhos de outros pais biológicos”, diz.

Neire é a guardiã do Pássaro Junino Japiim, um dos grupos que irá se apresentar durante o IV Festival de Pássaros e Bichos do Pará, que ocorre até o dia 29 de junho no Theatro da Paz, em Belém. Os pássaros juninos são uma manifestação cultural típica e única do estado do Pará e Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Estado. Também chamados de óperas caboclas, foram criados pelo povo, que assistia da coxias as óperas no Theatro da Paz no final do século 19. Do lado de fora, passaram a criar suas próprias histórias.



Fundado em 2017, a partir do Pássaro Bem-te-vi, o Pássaro Junino Japiim tem a proposta de servir de ninho. E fazer nos palcos o que o Japiim faz na natureza: incluir e acolher. “No grupo, temos pessoas com baixa visão, autismo e síndrome de down. É um cordão com características diferentes dos pássaros tradicionais”, explica Neire Lopes, que também é audiodescritora.

Um dos integrantes é o Gabriel, que tem síndrome de down e participa desde o início do Japiim. “Eu gosto muito e de todas as pessoas. E gosto de dançar e cantar”, diz. Gabriel comparece a todos os ensaios e é estimulado pela mãe, a dona de casa Gardner Castro, que também levantou vôo e se tornou brincante do Japiim.

“A inclusão é muito importante. Eu sempre gostei de colocar ele não só onde tivessem pessoas com deficiência, para que ele pudesse aprender e socializar com diferentes tipos de pessoas. O que eu vejo que é bom pra ele, é bom pra mim também”, diz.



E as diferenças do Pássaro Japiim não páram por aí.

UM NOVO CANTO

As dramaturgias básicas dos pássaros tem os núcleos que são os coronéis, famílias rivais, caçadores, capatazes, povos da floresta, encantados, fadas, feiticeiras, matutagem. Geralmente a história gira em torno de caçada e morte do pássaro, um ser encantado. Nas peças, o pássaro é ferido ou morto, mas ganha uma segunda chance, revivendo graças a um curandeiro da floresta. Com isso, evita-se que uma grande tragédia caia sobre o mundo.

Esse ano, o Pássaro Japiim traz um desfecho diferente do tradicional. Com dramaturgia assinada por Neire Lopes e pelo escritor Jojoca, dessa vez o caçador vai se recusar a caçar e matar o pássaro, mesmo que a ele seja oferecido uma grande quantia em dinheiro.



“Então ele diz que não é questão de dinheiro, é de consciência. E na hora de puxar a arma, ele puxa um instrumento musical e inicia uma canção”, diz. “O pássaro é um recurso muito forte para a consciência ambiental, principalmente na Amazônia, e especialmente nesse momento de visibilidade que é a Cop-30”, diz.

EXTINÇÃO

Mas nem a lei, tradição ou criatividade tem conseguido barrar a falta de incentivo e o esquecimento que os pássaros juninos enfrentam.

Neire lembra que um dia estavam ensaiando com o grupo em uma praça. Sempre de estandarte na mão identificando o Pássaro, foram parados por um grupo que se interessou em saber se o Japiim estava em extinção e como faziam para ajudar. “Eles pensaram que era alguma campanha para preservar o pássaro em si, o animal. Nós perguntamos se essas pessoas conheciam os Pássaros Juninos, e elas responderam que não. Foi então que expliquei o que éramos e respondi que o animal Japiim não está em extinção, mas o Pássaro Junino sim, porque as pessoas estão deixando de conhecer”, lamenta.



A guardiã diz que é comum essa curiosidade ocorrer, mesmo entre paraenses. “Muitos nunca ouviram falar. Por isso precisamos que mais pessoas assistam, valorizem, queiram participar. Criamos o Japiim para fomentar platéia, valorizar nossa cultura, trazer mais resistência para que essa cultura permaneça”, diz a guardiã.

Ela diz que esse é um dos motivos para que os ensaios do grupo ocorram sempre em ambientes abertos, como praças e locais públicos. “Fazer em ambientes fechados traz apagamento, quando vou pra rua eu crio curiosidade entre as pessoas”, diz. Nas ruas, Neire diz que vendedores ambulantes e pessoas em situação de rua também chegam a participar, a decorar as falas e acompanhar o grupo. “É muito mais que um simples ensaio. A inclusão não é apenas para pessoas com deficiência, é para que todos os grupos possam participar e se sintam pertencentes. E eu acho que a arte tem esse poder, ela não dita regras, ela vai convidando, sem puxar pelo braço”.



Em contato com o Pássaro, Neire Lopes diz que muitos adultos revisitam memórias, lembram pessoas da infância e dos pais. “A praça se torna mais que o grupo. É no palco e na rua que o Pássaro sobrevive”, finaliza.

O Pássaro Japiim se apresenta no próximo dia 28, às 19h30 no Teatro Margarida Schivasappa. E no dia 29, às 17h na Estação das Docas e 18h no Theatro da Paz. Tudo gratuito.


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