Pássaros na Amazônia: DNAs revelam mudanças climáticas
Publicado em 25/04/2024
Uma pesquisa pioneira liderada pelo Instituto Tecnológico Vale – Desenvolvimento Sustentável (ITV-DS), com a participação do Laboratório Nacional de Computação Científica e de universidades como a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a Universidade Federal do Pará (UFPA) em colaboração com a Universidade de Toronto, no Canadá, revelou que as mudanças climáticas ao longo dos milênios, mais precisamente nos últimos 400 mil anos, deixaram suas marcas no genoma das aves da Amazônia.
Para entender como essas marcas foram construídas, o estudo se concentrou nas linhagens de aves do gênero Willisornis, conhecidas como “rendadinhos” ou “formigueiros” no Brasil e endêmicas da Amazônia. As aves deste gênero são consideradas “bioindicadores” naturais de floresta alta úmida, ou seja, só ocorrem nesse ambiente e, portanto, acompanham sua distribuição ao longo do tempo, característica que permitiu associar as mudanças ocorridas no seu DNA ao longo do tempo à distribuição de florestas úmidas na Amazônia.
Os pesquisadores sequenciaram o genoma completo de nove indivíduos pertencentes a diferentes grupos encontrados na região amazônica. O processo envolveu análise de todas as informações contidas no DNA das aves. Com esses dados, modelos computacionais auxiliaram o grupo a estudar fatores como o impacto de mudanças ambientais ao longo de um determinado período histórico no tamanho das populações e as relações de parentesco entre os indivíduos, além da diversidade genética.
Conteúdo relacionado:
Insetos estão deixando de voar na Antártica e na AustráliaJogadores planejam campanha para assumir homossexualidadePará registra queda nos casos de malária
Cada evento de migração ou redução populacional deixa uma marca no DNA das aves, com grupos menores apresentando taxas mais elevadas de cruzamentos entre parentes, resultando em menor diversidade genética e, consequentemente, menor resistência a mudanças ambientais. Segundo Alexandre Aleixo, pesquisador do Instituto Tecnológico Vale (ITV-DS) e autor líder do estudo, a expansão e retração natural da cobertura vegetal da floresta amazônica desempenharia um papel crucial nesse contexto.
Ele compara a Amazônia a uma “sanfona” que se expande e contrai dependendo do clima, explicando que as regiões sul e sudeste da Amazônia, situadas sobre essa “faixa de sanfona”, experimentam transformações significativas durante períodos secos, quando a floresta úmida se converte em ambientes abertos, como cerrados. “Quando tem floresta, as populações dessa ave se instalam e, quando não tem, desaparecem ou diminuem bastante”, completa.
O estudo revelou que, mesmo com baixa variabilidade genética, as populações de Willisornis do sul e sudeste da Amazônia foram capazes de resistir às perturbações climáticas na floresta tropical, levantando questões importantes sobre a resiliência destes grupos. “Com base nesses resultados, buscamos a partir de agora entender se existem genes relacionados com essa maior resistência”, pontua Aleixo.
Quer mais notícias do Pará? acesse o nosso canal no WhatsApp
O passado registrado no DNA desses pássaros pode estar prestes a se repetir. O artigo explica que a floresta tropical no sul e no leste da Amazônia está, atualmente, próxima de seus limites climáticos e que um aquecimento global de 3 a 4°C poderia representar uma nova mudança para um ambiente de vegetação aberta, fenômeno batizado de “ponto de não retorno” (ou “tipping point”) da floresta.
Nesse contexto, pesquisas genéticas também podem contribuir para estratégias de conservação. “Podemos encontrar no genoma das populações que sobreviveram às mudanças climáticas passadas características que permitam que elas resistam às mudanças futuras, assim como identificar grupos mais diversos que podem ser matrizes para reintrodução em outros locais”, diz o autor.
O estudo ainda abre caminho para novas investigações sobre o efeito das mudanças climáticas e da cobertura vegetal na história genética dos seres vivos. “Esse foi o primeiro trabalho que aponta para uma resiliência dentro de algumas populações de espécies da Amazônia. Agora, queremos expandir e aprofundar os estudos”, revela Aleixo.
O pesquisador pontua que o grupo já está em contato com outras instituições de pesquisa para desenvolver trabalhos mais amplos, levando em conta outras espécies como répteis e plantas, por exemplo.