Produtos “para mulheres” podem ser até 20% mais caros
Publicado Diário FMem 04/05/2025
Uma pesquisa feita pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) revelou que, no Brasil, os produtos na cor rosa ou com personagens femininos têm um preço médio 12,3% maior do que os demais. O estudo também mostrou que as roupas de bebê para meninas custam mais de 20% a mais do que as para meninos.
A advogada especializada em direito do consumidor, Kenia Soares, explica que a chamada taxa rosa, ou pink tax, como é conhecida em outros países, refere-se a uma prática discriminatória no mercado de consumo em que produtos e serviços direcionados ao público feminino são vendidos a preços mais elevados do que semelhantes, destinados ao público masculino. Essa diferença de preços ocorre mesmo quando as características dos itens são praticamente idênticas, variando apenas em aspectos superficiais, como cor, design ou embalagem.
A advogada ressalta que a chamada taxa rosa não é uma taxa oficial, estabelecida por lei ou regulamentação. Na verdade, trata-se de uma prática de mercado que resulta em preços diferenciados, penalizando as mulheres enquanto consumidoras. Ela explica que essa prática é considerada abusiva de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois infringe princípios importantes, como o artigo 6º, inciso IV, que protege contra práticas abusivas; o artigo 39, inciso V, que proíbe exigir do consumidor uma vantagem claramente excessiva; e o artigo 4º, que defende a boa-fé e a equidade nas relações de consumo. Além de desrespeitar a legislação voltada para os consumidores, a taxa rosa também contraria princípios constitucionais, como a igualdade de gênero, garantida pelo artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal.
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“Na prática, essa diferenciação de preços acaba prejudicando economicamente as mulheres, reforçando desigualdades históricas. É um tema que tem ganhado cada vez mais atenção em órgãos de defesa do consumidor, no Congresso Nacional e até em movimentos internacionais que buscam a eliminação da discriminação de gênero nas relações de consumo. Por isso, é fundamental conscientizar consumidores e fiscalizar essas práticas, denunciando casos em que a diferenciação de preços não tenha justificativa técnica plausível”, acrescenta.
Kenia explica que a taxa rosa aparece nas indústrias de várias maneiras. Uma das principais formas é pela diferenciação superficial de produtos e serviços que, na verdade, são iguais aos que são oferecidos para o público masculino. No entanto, por serem rotulados, embalados ou vendidos como “femininos”, acabam tendo um preço mais alto.
Ela menciona que esse fenômeno é especialmente perceptível em áreas como: Higiene pessoal, onde lâminas de barbear, desodorantes, shampoos e perfumes “femininos” costumam ser mais caros do que suas versões “masculinas”, mesmo tendo composições quase iguais. Vestuário e acessórios também entram nessa lista; roupas, tênis, mochilas e até brinquedos rotulados como “para meninas” podem ter preços mais altos do que os equivalentes “masculinos”. Além disso, serviços como cortes de cabelo, lavanderias e até seguros de automóveis podem ser mais caros para mulheres, baseando-se em padrões discriminatórios.
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A advogada explica que esse fenômeno não acontece apenas no Brasil, pois está ligado a fatores socioculturais e econômicos que afetam o mundo todo. Em muitas culturas, desde cedo, mulheres são socializadas a valorizar a estética, o cuidado pessoal e a aparência, o que faz com que a indústria identifique nelas um público disposto a pagar mais por produtos “personalizados”. Essa lógica de mercado, baseada em estereótipos, perpetua a cobrança diferenciada.
E as empresas aplicam estratégias específicas de marketing para “feminizar” produtos — usando cores, embalagens e propagandas que associam o item ao universo feminino —, justificando preços mais altos com base em um suposto “valor agregado”.
Há também assimetrias de informações. Muitas consumidoras, até recentemente, não tinham fácil acesso à comparação técnica entre produtos “masculinos” e “femininos”. Isso permitia às empresas praticar preços mais altos sem sofrer contestação.
Países não possuem legislação específica contra a prática
A maioria dos países ainda não possui legislação expressa que proíba essa prática, o que torna mais difícil o combate sistemático ao fenômeno. No Brasil, embora o Código de Defesa do Consumidor ofereça instrumentos para coibir práticas abusivas, ainda carecemos de normas específicas contra a precificação por gênero.
Como o mercado de consumo é fortemente influenciado por padrões internacionais — especialmente pelos modelos norte-americanos e europeus —, a taxa rosa foi replicada em muitos países junto com a expansão de marcas globais. “Assim, a taxa rosa é um reflexo de estruturas sociais e econômicas que perpetuam desigualdades de gênero em nível mundial, sendo um problema que ultrapassa fronteiras e que exige medidas de conscientização, fiscalização e, eventualmente, regulação específica para a sua erradicação”, pondera Kenia.
Soares afirma que a consumidora tem à sua disposição ferramentas legais para tomar medidas tanto contra a loja quanto contra a empresa fabricante em situações de “taxa rosa”, que se refere à cobrança de preços diferentes sem uma justificativa válida, apenas por questões de gênero.
Ela explica que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) oferece proteção contra práticas abusivas (art. 6º, inciso IV, e art. 39, incisos V e X). Saiba como se proteger no quadro abaixo.
COMO AGIR
1. EXIGIR ESCLARECIMENTOS:
A primeira medida é solicitar informações claras e precisas sobre o motivo da diferença de preço, com base no direito à informação adequada previsto no art. 6º, inciso III, do CDC. Se a loja ou o fabricante não apresentarem justificativas razoáveis e objetivas, caracteriza-se uma prática abusiva.
2. REGISTRAR RECLAMAÇÕES:
A consumidora pode registrar reclamações em órgãos de proteção ao consumidor, como o Procon, a Defensoria Pública e as associações de consumidores. Esses órgãos podem instaurar procedimentos administrativos contra a loja ou o fabricante e aplicar sanções, como multas e obrigatoriedade de adequação dos preços.
3. AJUIZAR AÇÃO JUDICIAL:
Caso o problema persista, a consumidora pode ingressar com uma ação judicial, individual ou coletiva, pleiteando a restituição da diferença de valores pagos a maior, além de eventuais danos morais, caso demonstrado que a prática causou constrangimento ou discriminação.
4. DENUNCIAR AO MINISTÉRIO PÚBLICO:
Em casos de prática reiterada, que possa afetar um número relevante de consumidores, é possível também denunciar ao Ministério Público, que pode instaurar uma ação civil pública para proteger o interesse coletivo das consumidoras.
5. EXERCÍCIO DE ESCOLHA
E BOICOTE:
- Finalmente, além das medidas legais, o próprio ato de não consumir produtos que pratiquem a diferenciação injusta de preços, e de valorizar empresas comprometidas com a equidade, é uma forma de pressão social que pode estimular mudanças de comportamento no mercado.
- “A consumidora tem direito a contestar e combater práticas de cobrança abusiva por meio de reclamações administrativas, ações judiciais, denúncias coletivas e escolhas conscientes, sendo amparada pelo princípio fundamental da proteção contra práticas discriminatórias no consumo”, conclui.