Salinas: MP questiona liberação de prédio em frente à praia
Publicado em 12/11/2023
Uma legislação aprovada em maio deste ano pela Câmara de Vereadores de Salinópolis e logo sancionada pelo prefeito Kaká Sena (PL), que aumenta de nove metros para 65 metros de altura o limite para construção habitacional em uma única quadra em frente à praia do Atalaia, motivou o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), em documento assinado pelo procurador-geral de Justiça, Cesar Mattar Jr., a entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade. A ação foi protocolada em agosto contra a prefeitura e o parlamento da cidade no intento de suspender a aplicação da lei. O processo, com mais de 200 páginas, cita como justificativas principais a ausência de estudos de impactos ambientais prévios à análise e aprovação do texto, de realização de audiências públicas e ainda o fato de que a matéria, aprovada como foi, beneficia no momento, única e exclusivamente, a Estrutura Engenharia, anunciante de um empreendimento imobiliário de 22 andares, de finalidade habitacional somente, e que seria o mais alto de Salinas até hoje.
Aprovado no dia 2 de maio com maioria de votos dos 13 vereadores que compõem o parlamento municipal, presidido pelo vereador João Erivaldo da Silva (PDT), o projeto 02/2023, apresentado pela Mesa Diretora da casa ainda em março, foi sancionado exatos 16 dias depois da aprovação, no dia 18, como lei municipal 2.949/2023, que “altera o Anexo II, do Parágrafo único do art. 10 da lei municipal n°2.896/2017, reclassificando a altura do gabarito de construções para fins habitacionais do Plano Diretor do Município, do loteamento Balneário Ilha do Atalaia II, quadra 38, lotes de 01 a 14”.
Um ponto que merece destaque é que a autoria do projeto é da própria Mesa Diretora da Câmara, com a assinatura do presidente e dos vereadores Argeo Correa Neto (MDB, 1º secretário) e André Luiz de Barros (PL, 2º secretário). Sem qualquer detalhamento, o texto informa que ali “a altura máxima permitida será de 65 metros, a partir do nível da calçada externa até o piso do último pavimento habitável”. A justificativa do projeto informa que “a altura dos empreendimentos (…) vem impedindo o crescimento turístico e geração de empregos no município”.
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No processo, é sustentado que a matéria é “formalmente e materialmente inconstitucional” por violar três artigos da Constituição Federal – incluindo o princípio da impessoalidade (art. 37), a inconformidade ao regramento imposto pelo Plano Diretor Urbano (art. 182) e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225) – e outros cinco da Constituição do Estado do Pará.
“É possível verificar que a Zona de Uso Misto – ZUM, no bairro Atalaia II possui extensão significativa (aparentemente 35 quadras), e causa estranheza a eleição de apenas uma única quadra (quadra 38), para ser beneficiada com essa alteração de parâmetros urbanísticos, já que o projeto de lei não apresenta nenhuma justificativa técnica para tal escolha”, informa o processo, com base em análise feita pelo Grupo de Apoio Técnico Interdisciplinar (Gati/MPPA).
No processo consta ainda que a relatoria do parecer da Comissão de Terras, Obras, Patrimônio e Meio Ambiente da Câmara Municipal de Salinópolis é favorável ao projeto de lei considerando uma crescente demanda de residentes na cidade, destacando, contudo, que a alteração “(…) terá como parâmetro para a devida mudança os estudos informadores da Política Nacional do Meio Ambiente. (…)”. O parecer do relator foi acatado à unanimidade pela Comissão, mas a recomendação de que as alterações do gabarito deveriam se basear em estudos ambientais foi ignorada.
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Já no Parecer da Comissão de Constituição e Justiça, a relatoria argumenta simplesmente que não há ilegalidade na proposta, mas que deve ser assegurado o princípio do poluidor-pagador como forma de que os empreendedores que se beneficiem das alterações urbanísticas propostas deixem contrapartidas de diversas naturezas ao município. Outro argumento utilizado é que o município de Salinópolis “(…) precisa dos investimentos de grandes empresas para melhorar ainda mais o nosso setor hoteleiro e aquecer o setor do turismo do nosso município (…)”. Ou seja: o próprio relator já admite que as alterações urbanísticas propostas no projeto de lei serão geradoras de impactos ambientais negativos, uma vez que considera o uso do princípio do poluidor-pagador. Além disso, o argumento de que o município necessita de melhorias no setor hoteleiro não é cabível no caso, tendo em vista que o único empreendimento contemplado pela legislação 2.949/2023 tem finalidade exclusivamente habitacional/de moradia, não sendo algo voltado ao setor hoteleiro/turístico.
É reforçado que não foram realizados debates aprofundados sobre o projeto, mas apenas discutidos os pareceres de ambas as comissões da casa, e ainda que o parecer da Comissão de Economia e Finanças não foi juntado aos autos.
A Câmara Municipal de Salinópolis chegou a emitir uma nota pública sobre o assunto informando que foi realizado estudo de impacto econômico social por uma empresa interessada de “notórios argumentos de relevante interesse público e social”, dentre eles a geração de 200 a 300 empregos diretos, 50 indiretos e entre 100 e 150 terceirizados durante o período das obras, além de alcance social entre 380 e 530 famílias (até 2,1 mil pessoas). Porém, encerrada a construção e todos os impactos ambientais em andamento, a previsão do próprio MPPA seria de nada além de 30 empregos gerados.
A mesma nota tenta justificar a não elaboração de estudos de impactos ambientais para a alteração legislativa pelo fato do ZUM do bairro da Atalaia ser área de zona de expansão urbana, supostamente sem nenhum risco de dano ambiental ou equivalente – argumento este que, para o MPPA, é “totalmente equivocado”.
Além se tratar de zona costeira, a área em questão está na zona de amortecimento de uma unidade de conservação estadual de proteção integral, o Monumento Natural do Atalaia (Mona), criada por Decreto Estadual em 2018, e que conta com uma legislação específica para o uso e ocupação do solo, devendo buscar compatibilização máxima entre as atividades licenciadas e os objetivos de criação da UC.
Levando em consideração que Salinópolis enfrenta problemáticas em relação ao saneamento básico e abastecimento de água em diversas áreas, o Ministério Público argumenta que antes de propor a alteração de parâmetros urbanísticos de modo a favorecer o adensamento urbano, deveriam ser estabelecidos critérios de hierarquização dos problemas já existentes associados ao uso e ocupação do solo de forma a definir indicativos de prioridades, assim como analisar a vulnerabilidade dos ecossistemas de praia, verificando os riscos associados às obras que interferem nas características físicas e bióticas dessa zona costeira.
Por meio de advogado, Kaká Sena respondeu formalmente ao pedido do MPPA, pedindo que a Adin não seja reconhecida pela Justiça Estadual sob a tese de que “inexiste motivo para a discussão” e que as alterações são legais e de prerrogativa do gestor municipal. O caso está sob a tutela do desembargador Mairton Marques Carneiro para análise.
Repercussão
A reportagem do DIÁRIO entrou em contato com o presidente do Conselho Municipal de Turismo de Salinópolis, Marwan Salman, e com o vice-presidente da Associação de Moradores do Farol Velho, Azael Lobato, e ambos possuem entendimentos semelhante: não são contra o tipo de empreendimento proposto pela Estrutura Engenharia, muito embora o mesmo não seja voltado ao setor hoteleiro da cidade, porém defendem que toda e qualquer intervenção do tipo obedeça todos os regramentos e esteja em conformidade com questões de preservação ambiental.
“Não somos contra o desenvolvimento, mas há outras necessidades de investimentos antes de uma lei como essa. A prefeitura tem por obrigação preparar a infraestrutura necessária, ampliar o saneamento, fazer estudo ambiental, analisar todos os lados. Salinas não pode trabalhar no rumo errado, porque o desenvolvimento tem que chegar mas com cuidado para evitar impactos ambientais que possam destruir tudo de bom que tenha sido feito”, defende Marwan.
Ele conta que tentou questionar, sem sucesso, a prefeitura e a Câmara de Vereadores sobre o projeto, principalmente pelo fato de não ter havido qualquer audiência pública sobre o tema e por se tratar de uma alteração que beneficia apenas uma empresa. “Por que em uma única quadra? O que vale para um tem que valer para todos”, justifica Marwan.
“Não é esse o nosso entendimento, a lei existe. O que não foi apresentado foram os estudos de impacto ambiental, estudos de solo e projetos sanitários para receber um empreendimento desse porte”, complementa Azael. “Também não vimos o trâmite desta lei pelas comissões da Câmara de Vereadores”, relata o vice-presidente da Associação de Moradores do Farol Velho.
Apesar de ser vereadora pelo mesmo partido do prefeito de Salinas, Luna Brígida (PL) faz oposição ao gestor municipal e afirma que está tão decepcionada com o desrespeito ao regimento interno da casa no que diz respeito a tramitação de projetos e outros encaminhamentos a ponto de não ter vontade de concorrer para um segundo mandato – este é seu primeiro cargo eletivo. Ela afirma ter sido um dos poucos votos contrários ao projeto de lei 02/2023.
“O projeto de lei foi apresentado pelo dono da construtora ao presidente da Câmara, e ocorreu que depois disso a Mesa Diretora apresentou formalmente o projeto ao parlamento. Eu questionei os pareceres das comissões, questionei o fato de ser uma lei para uma determinada área e que beneficia uma única empresa, questionei não existir estudo de impacto ambiental. Ocorre que como a maioria dos 13 está com o prefeito, a própria assessoria jurídica da Câmara só trabalha para orientar projetos de interesse da base aliada”, lamenta.
Segundo publicações na internet sobre o empreendimento imobiliário, se construído, o prédio ficará a apenas 200 metros da praia e todos os apartamentos terão vista para o mar.
“O Fort Litoranium é um projeto de R$ 80 milhões que na sua fase de construção irá gerar na faixa de 300 a 500 empregos diretos e indiretos, gerando renda à população local, com uma previsão de serem injetados quase R$ 20 milhões na economia local, entre estâncias, lojas de material de construção, restaurantes, etc”, explica James Pyles, CEO da Estrutura Engenharia, em uma publicação.