Semana dos Povos Indígenas encerra com shows na Cidade Velha
Publicado em 21/04/2024
Várias vozes se unem em um clamor: a valorização das tradições dos povos originários, seus costumes e suas crenças. Belém recebe um grande encontro entre artistas indígenas e nomes da música e da dramaturgia conhecidos amplamente na cena brasileira, dentro da Semana dos Povos Indígenas, neste domingo, 21, na Praça Dom Pedro II, na Cidade Velha. O evento, batizado de “Pará é Terra Indígena”, reúne o grupo Suraras do Tapajós e os convidados Xamã, Gaby Amarantos, Fafá de Belém, Maria Gadú, que se apresentam no palco “Encantaria”. Também são presenças confirmadas os artistas Owerá, Eric Terena, Gean Pankararu, Thaline Karajá e Forró Garotos Apyãwa. Eles dividem o palco com Viviane Batidão, Felipe Cordeiro, Naieme, Jeff Moraes, Grandão Vaqueiro e Zaynara. Ao todo, serão mais de oito horas de muita música, em uma programação totalmente gratuita em defesa dos povos originários.
A cantora Thaline Karajá, ex-The Voice, diz que em seu show irá trazer ancestralidade e uma visão indígena contemporânea. “Estou muito feliz de cantar ao lado dessas artistas maravilhosas, como é o caso da Fafá de Belém, que é minha maior inspiração, uma das maiores vozes do nosso país e uma verdadeira guerreira que levou o nome do nosso estado para todo o Brasil e mundo. Zaynara, que também estará comigo no palco, é linda e cheia de amor pela nossa cultura e ancestralidade”, define.
Thaline Karajá destaca a importância da programação. “Ela é fundamental para ambientar os não indígenas com a presença de indígenas nas cidades, nas universidades, nos palcos e em todos os lugares, principalmente na Amazônia onde tem a maior concentração de pessoas indígenas no Brasil. Mesmo assim, ainda presenciamos o racismo contra povos indígenas nas grandes cidades da Amazônia, mesmo nós, nortistas, tendo a cultura indígena estampada em todos os lugares”, lamenta.
“Achei esse formato de show maravilhoso. Todos os indígenas que foram convidados para cantar são artistas maravilhosos. Infelizmente ainda não temos tantos artistas indígenas conhecidos no cenário musical. Todos os artistas convidados têm ascendência indígena e atuam juntamente conosco na linha de frente da defesa dos direitos dos povos indígenas, como a demarcação territorial e a defesa do meio ambiente”, ressalta Thaline.
A cantora Naieme, que vem celebrando a música paraense em seu projeto Estúdio Sereia no YouTube, conta que irá cantar com Gean Pankararu, artista indígena pernambucano, e Maria Gadú. “Cada artista indígena recebe convidados não indígenas ou pessoas que trazem essa ancestralidade em seus trabalhos, vivências e histórias. Vou cantar três músicas, duas do Gean com ele e uma música minha. Acredito que vai ter um momento de nós três juntos”, comenta ela, que está preparando single novo para lançamento em julho.
Ela destaca a felicidade de participar da Semana dos Povos Indígenas, evento que começou no último dia 18, no Hangar Centro de Convenções, e do qual participam mais de 440 indígenas, com o objetivo de garantir direitos fundamentais, preservar e valorizar os modos de vida dos povos originários e destacar a sua importância em questões importantes para o planeta inteiro.
Evento exalta riqueza cultural
“É um evento importantíssimo, que traz protagonismo e visibilidade para artistas e povos indígenas que estiveram desde 1500 sendo explorados e mortos, silenciados. Um evento como este reforça a importância de manter a floresta em pé, garantir a soberania e o bem viver dos povos indígenas. Traz ainda uma maior conscientização para a população como um todo”, afirma Naieme.
A cantora acredita que “o fato de unir artistas com grande visibilidade nacional amplia ainda mais essas vozes que foram tão silenciadas”. “Assim, com essa aliança, todos seguem somando na luta em prol dos povos indígenas e da preservação da floresta, luta pela demarcação de terras e garantias de direitos dos povos indígenas. A arte, a música e a educação são fundamentais para reflorestar as mentes, para a história ser feita por quem é de direito. Nunca foi colonização; foi invasão. Hoje é um momento crucial para a transformação do futuro que teremos. Que as próximas gerações colham os resultados das nossas escolhas positivas e de transformações necessárias para garantir que esse futuro exista. Ainda mais quando os olhos do mundo se voltam para cá, para a Amazônia, que receberá a COP-30. Tudo isso deve ser ferramenta de transformação e garantia desses direitos”.
RAPPER INDÍGENA
Outro artista que estará presente no show é Owerá, rapper da etnia guarani-mbyá que vive na Terra Indígena do Krukutu, situada no extremo sul da cidade de São Paulo. Chega depois de participar, neste sábado, 20, do show do DJ Alok em Brasília – Owerá gravou com ele “Rap Nativo”, uma das principais faixas do primeiro álbum do DJ, “O Futuro é Ancestral”. Os shows fazem parte de uma agenda nacional que inclui ainda cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte.
“Eu vou mostrar músicas guarani da nossa tradição e também o rap guarani que eu lancei recentemente, um álbum chamado ‘Mbaraeté’. Eu vou tocar esse álbum e também vai ter a participação do Xamã. Ele vai cantar comigo uma parte do meu rap e depois, ele vai cantar músicas dele também”, adianta o rappers sobre a companhia do Damião de “Renascer”.
O grupo Suraras do Tapajós, formado por mulheres indígenas que tocam carimbó no Tapajós, mostra sua dança e seu ritmo para o público. Antes de ter esta configuração de grupo musical, Suraras do Tapajós é uma associação de mulheres indígenas, que se reuniu em 2018 no formato de coletivo, com a missão de combater a violência contra a mulher indígena e promover o empoderamento político e econômico dessas mulheres. Hoje o aspecto musical é um braço muito importante para a associação, com o qual conseguem manter a organização e ocupar novos lugares, através da arte. As Suraras do Tapajós acabam de lançar em todas as plataformas de streaming, o single “Coiab – Senūisáwa yané mirasá supé”, frase em Nheengatu que em português significa “Chamado ao nosso povo”. A música é uma homenagem aos 35 anos da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), representando politicamente os 180 povos indígenas do bioma amazônico.
O nosso show é pensado numa forma que sempre enfatiza nossos povos, a cultura e a tradição. O show segue uma linha crescente. Inicia um pouco mais tranquilo, com falas, rituais indígenas, ritmos um pouco mais lentos como o lundu, predominante da nossa região, até chegarmos ao carimbó, que segue até o final do show”, diz Adelina Borari, uma das integrantes do grupo.
O grupo tem um álbum, “kiribasawa Yuri-ita”, lançado nas plataformas digitais em 2021, além de três videoclipes. “Nosso show geralmente é dividido em quatro blocos. Nos dois primeiros, nós apresentamos nossas músicas autorais – que falam de nossas vivências, de nossas lutas enquanto mulheres indígenas, da importância dos nossos ancestrais, dos nossos rios, floresta e dos nossos encantados, a maioria de autoria própria e algumas com artistas parceiros da nossa região. No terceiro bloco, fazemos uma homenagem a grandes mulheres e intérpretes da nossa terra, que temos como referências que fortalecem nosso movimento, como Dona Onete, Priscila Castro, Patrícia Lima , Jana Figarela, Gaby Amarantos , Lia Sophia, Ádria Góes, Cristina Caetano, Naieme, Maria Lídia e Emília Monteiro”, diz Adelina Borari.
“No último bloco fazemos menção aos mestres consagrados do carimbó e aos mestres de carimbó do oeste do Pará. Para finalizar o show, tocamos a música ‘Banzeiro’, de dona Onete, levando o banho de cheiro com ervas sagradas da floresta, onde compartilhamos dessa energia com o público e finalizamos em uma só voz com a música ‘Amazônia – Suraras do Tapajós’”, descreve Adelina.
Priscila Tapajowara é presidente da Mídia Indígena e atua na produção e direção artística da Semana dos Povos Indígenas, evento realizado pelo Governo do Pará, por meio da Secretaria de Estado dos Povos Indígenas (Sepi). Ela diz que a escolha do tema do evento foi baseada no que a organização queria mostrar. “Mostrar que o Pará é um estado onde tem diversos povos indígenas, com mais de 55 povos e mais de 80 mil indígenas em todo o estado. A proposta era trazer para a capital esses 500 indígenas para demarcar a capital, mostrando essa diversidade de povos e essa riqueza cultural que o nosso estado tem, mostrando que nós, povos indígenas, estamos lutando em defesa dos nossos territórios, mas também lutando na preservação das nossas culturas e é importante que as pessoas conheçam essa diversidade cultural, a riqueza do conhecimento ancestral, para que possam também estar se aliando e apoiando as nossas causas e as nossas lutas”.
A curadoria dos artistas foi pensada, ela explica, para mostrar que os povos originários vivem de acordo com o mundo contemporâneo e diverso. “A gente queria mostrar a força que a cultura dos povos indígenas tem e que vai muito além do tradicional. Eles também têm músicas contemporâneas, rap, DJs e carimbó. É uma diversidade muito grande de artistas musicais indígenas nesse Brasil afora. E é importante a gente trazer esses outros artistas que estão atuando na música em outros estados para fortalecer e mostrar essa diversidade, e que podemos ocupar outros espaços”, considera Priscila Tapajowara.
Artistas conhecidos nacionalmente são convidados para um ato de encerramento. Entre os nomes esperados, estão os atores Bruno Gagliasso, Klebber Toledo, Alessandra Negrini, Bruno Gissoni e Yanna Lavigne. Eles estarão na caminhada que antecede os shows e também participam de outros momentos da programação no Hangar Centro de Convenções e na Usina da Paz. O trajeto, que terá participação do Batalhão da Estrela do Arraial do Pavulagem (uma das maiores manifestações culturais da Amazônia), será concluído no Complexo Feliz Lusitânia.