Servidor afastado licitou quase R$ 1 bilhão em Ananindeua

Publicado em 28/09/2024

Mais de 100 licitações, que totalizam quase R$ 1 bilhão, foram comandadas pelo ex-presidente da Comissão Permanente de Licitação (CPL) da Prefeitura de Ananindeua, Manoel Palheta Fernandes, afastado de funções públicas, por ordem judicial, sob suspeita de integrar uma quadrilha de fraudes licitatórias. O levantamento de todos os certames comandados por ele foi realizado pelo DIÁRIO. Mais de 82% foram para obras e serviços da Secretaria municipal de Saneamento (Sesan), cujo secretário, Paulo Roberto Cavalleiro de Macedo, também foi afastado do cargo, por possível envolvimento nas fraudes. Advogados e promotores de Justiça afirmam que as supostas ilegalidades descobertas colocam sob suspeita todas as licitações em que Manoel Fernandes atuou. Ele foi nomeado presidente da CPL, em 2022, pelo prefeito Daniel Barbosa Santos. Na folha de pagamentos da Prefeitura, ele figura como “assessor estratégico” do Gabinete do prefeito, mas estaria lotado na Secretaria Municipal de Licitação (SML).

Os afastamentos de Manoel Fernandes e do secretário de Saneamento ocorreram no último dia 6, durante a operação Aqueronte, realizada pelo Gaeco (o grupo de combate a organizações criminosas do Ministério Público do Pará/MPPA), com autorização da Vara de Combate ao Crime Organizado. Segundo as investigações, a suposta quadrilha teria fraudado 6 licitações, no valor de R$ 109 milhões, nas secretarias municipais de Saúde (Sesau) e de Saneamento (Sesan). As fraudes também envolveriam a secretária de Saúde, Dayane Silva Lima, e o ex-presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Pará (CREA-PA), Danillo da Silva Linhares, dono das empresas Edifikka Construtora Ltda e DSL Construtora e Incorporadora, as beneficiárias do suposto esquema criminoso. Das 6 licitações investigadas pelo Gaeco, 5 ocorreram na Sesan, também responsável por 95% do valor desses contratos e seus aditivos.

O DIÁRIO ouviu três promotores de Justiça e dois advogados, sob a condição de anonimato. Um dos promotores foi direto ao ponto: “Por que ele iria fraudar umas (licitações) e outras não? E, mais importante, a probidade só estará resguardada se investigadas todas as licitações. O MP talvez não tenha pessoal para isso. Mas tem que demandar o TCM (o Tribunal de Contas dos Municípios), para que o faça”. Segundo ele, “para além da presunção de inocência”, o que prevalece é o interesse público, “na proteção do patrimônio público e na moralidade administrativa”. Devido ao volume de licitações descoberto pelo DIÁRIO, ele acredita que a investigação poderia ser feita até por uma força-tarefa, envolvendo a polícia, o MPPA e o TCM. Mas, observa, “só não sei se, depois da Lava Jato, os órgãos vão querer fazer isso”. Também enfatiza que essa investigação deveria ser realizada até automaticamente, “e não ficar-se discutindo se será feito, ou de que forma será feito, porque isso dá tempo para que muita coisa seja ‘arrumada”.

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Outro promotor de Justiça diz que os R$ 109 milhões em fraudes detectados pelo Gaeco são “indícios suficientes” para levar à abertura de uma investigação sobre todas as licitações comandadas por Manoel Fernandes, todas, a seu ver, sob suspeita. Ele explica que tanto o MPPA quanto o TCM podem agir “de ofício”. Ou seja, sem a necessidade de uma denúncia. Outro promotor, que atua na área criminal, diz que a polícia terá de investigar, sim, todas as licitações comandadas pelo ex-presidente da CPL, devido ao valor das fraudes apontadas pelo Gaeco, que é “significativo demais” no universo descoberto pelo DIÁRIO. “Para que possamos dizer que há indícios de fraude (nas demais licitações) tem que analisar uma por uma. Pode ser que algumas não tenham, ou que a investigação não consiga provar”, observa. Ele concorda que isso precisaria ser feito, de “preferência”, por uma força-tarefa. Mas, comenta, “quem iniciou a investigação é que deve pedir esse apoio”.

Também para um advogado, especialista em Direito Administrativo, a maneira como o ex-presidente da CPL de Ananindeua agia, segundo o Gaeco, leva à necessidade de investigar as outras licitações que ele comandou. “Esse comportamento dele (Manoel Fernandes), pelo que ele já vinha promovendo de irregularidades, torna suspeitas as outras licitações em que ele atuou. É um caso que merece um olhar detido por parte do MPPA, porque há o risco de lesão ao erário”, afirma. Segundo ele, caberia, também, uma investigação pela Delegacia de Combate à Corrupção (Decor), “já que há indicadores de práticas delituosas por parte dele”. E a ênfase da apuração deveria ser nas licitações da Sesan, cujo secretário foi até afastado do cargo. “Esse é um caso que não pode ficar impune. Se há indícios de irregularidades em mais de R$ 100 milhões, é necessário investigar todos os outros processos licitatórios, porque, possivelmente, haverá, também neles, direcionamento na concorrência”, enfatiza.

Outro advogado explica que, quando uma licitação é fraudada, “já é motivo suficiente para você investigar todas”. E quando as fraudes atingem várias, “há necessidade de se investigar todas, para saber qual é o volume dessas infrações, porque cada licitação fraudada é uma pena e essas penas serão somadas”. Ele acredita que o Gaeco terá, sim, de analisar a totalidade dessas licitações, para detectar a existência ou não de crime organizado, mas não só. “A partir do momento em que o agente praticou um delito, temos que investigar se ele não praticou outros, até para separar os procedimentos corretos dos incorretos”. Essa comparação deixa claro o “agravante”, o dolo: a pessoa sabia fazer o certo, mas tomou a decisão de agir de maneira ilegal. “Então, nesse ponto, até para caracterizar um elemento constitutivo do tipo penal, é necessário que ele (Gaeco) investigue todos os contratos, todas as licitações”, argumenta. O caso se encontra em segredo de Justiça. O DIÁRIO tentou contato com o Gaeco, mas não obteve resposta.

Exigências ilegais “direcionavam” licitações

Licitações são disputas que o Poder Público promove entre as empresas, para baratear os preços das obras e serviços que precisa contratar. Elas são regidas pelos editais licitatórios, que listam as exigências que as empresas têm de cumprir, para obter esses contratos. Mas essas exigências não podem ultrapassar o que está previsto nas leis, porque isso prejudica a competição: beneficia uma das empresas e tira do páreo as demais. É o chamado “direcionamento”de um certame, o que é ilegal. No entanto, nos editais das 6 licitações investigadas pelo Gaeco, foram encontradas exigências desse tipo. E era Manoel Fernandes, que ocupava uma “função superior” no esquema de fraudes, quem as inseria nos editais, diz o Gaeco. Segundo as investigações, ele também não cobrava da Edifikka e da DSL a comprovação de capacidade técnica e operacional, exigida por lei para esses contratos.

Em três das licitações investigadas, o enteado dele e um ex-sócio atuaram até como representantes da Edifikka e da DSL. E mais: ele teria chegado a exigir das empresas até mesmo o que nem no edital estava. Isso teria ocorrido em uma licitação de R$ 17 milhões da Sesan, em 2022. Duas empresas estavam no páreo: a DSL e a FAS Serviços Técnicos. Que foi inabilitada por não apresentar uma certidão negativa do Tribunal Regional Federal (TRF) e licença sanitária. Mas, segundo o Gaeco, o edital não exigia essa certidão, na fase de qualificação econômico-financeira do certame. Quanto à licença sanitária, diz o Gaeco, ela não está prevista na lei 8.666/93, a Lei das Licitações, na fase habilitatória. Além disso, só é obrigatória para empresas com impacto direto na saúde da população, como bares, farmácias, hospitais.

São 109 licitações sob suspeita

No levantamento, o DIÁRIO localizou 103 licitações comandadas por Manoel Fernandes, além das 6 sob investigação do Gaeco. Isso totaliza 109 licitações, quase todas de 2022 para cá. Delas, 90 (ou 82,5%) foram para obras e serviços da Sesan. Elas totalizam R$ 958.994.431,43 (milhões). Mas é possível que existam outras. Além disso, não foram considerados aditivos contratuais e atualizações monetárias, o que significa que esse volume de dinheiro pode ser maior.

Entre essas licitações estão algumas das principais realizadas pela Prefeitura de Ananindeua, nesse período: obras do Parque Vila Maguary, recolha de lixo, serviços de saneamento, implantação de usinas fotovoltaicas, um contrato de quase R$ 113 milhões para 25 anos, sem contar os aditivos. Também incluem a licitação para os ônibus entre os bairros da cidade, um contrato de quase R$ 229 milhões, para 15 anos, do qual a empresa, estranhamente, acabou desistindo, dias depois de assiná-lo.

Segundo os diários oficiais, Manoel Fernandes foi praticamente o único a comandar licitações da Sesan e de obras “estratégicas” da Prefeitura de Ananindeua, a partir de meados de 2022, apesar de possuir vários colegas na CPL e, depois, na SML, a Secretaria de Licitação, criada no ano passado. Sua ascensão foi rápida: foi nomeado “assessor especial” DAS 6, em janeiro de 2021, no início da administração do prefeito Daniel Santos. Em outubro, foi promovido a assessor especial DAS 7. Em 8 de novembro, foi nomeado integrante da CPL, pelo decreto 343, do prefeito.

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Meses depois, em 15 de setembro de 2022, foi nomeado presidente da CPL, com mandato de um ano, pelo decreto 828 do prefeito. Em outubro, foi promovido a “assessor estratégico” DAS 8. Em 27 de abril do ano passado, mesmo após a criação da SML, o decreto 1198 do prefeito o manteve como presidente da CPL, por mais um ano. A secretária da SML ainda o designou “agente de contratação”, através da portaria 01, de 26 de setembro do ano passado, mas em vão: só em maio deste ano é que ele parou de se identificar como “presidente da CPL”.


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