STJ rejeita pedido de Daniel para trancar investigações
Publicado Diário FMem 13/02/2025
O ministro Sebastião Reis Junior, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), rejeitou o Habeas Corpus (HC) ajuizado pelo prefeito de Ananindeua, Daniel Barbosa Santos, para trancar as investigações contra ele, por suspeita de participação no desvio de R$ 261 milhões do Iasep, o instituto de Assistência do funcionalismo estadual, para o Hospital Santa Maria de Ananindeua, que pertence ou pertenceu ao prefeito. A decisão do ministro é do último dia 24, e ganhou repercussão nacional ao ser noticiada pelo jornalista Matheus Leitão, da Revista Veja.
Essa foi a quarta derrota de Daniel Santos no STJ, na tentativa de barrar as investigações. Em setembro do ano passado, o ministro Sebastião Reis Junior já havia rejeitado a liminar (decisão imediata e provisória) pedida pelo prefeito no HC. Agora o caso deverá ser julgado, no próximo dia 20, pela 6ª Turma daquele tribunal, e a tendência é que acabe arquivado, devido à decisão do ministro, que é o relator do processo.
As investigações contra Daniel Santos são comandadas pelo desembargador Pedro Sotero, do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA), já que prefeitos possuem o chamado “foro privilegiado”: só podem ser processados pelos tribunais, a chamada “segunda instância”.
Conteúdos relacionados:
- STJ mantém investigação sobre Daniel por desvios
- Operação mira fraude em hospital ligado a Daniel Santos
- Prefeitura paga R$ 2 milhões à empresa de ex-sócio de Daniel
Segundo o jornalista, ao autorizar a investigação contra Daniel, em maio do ano passado, Pedro Sotero destacou a “fundada suspeita” sobre a ligação do prefeito aos demais investigados, “identificados como figuras diretamente operantes no esquema fraudulento, em hierarquia cuja topografia indica o prefeito de Ananindeua como pessoa supostamente determinante para o sucesso dos empreendimentos ilícitos.”
Além de Daniel Santos, também são suspeitos de envolvimento no caso o empresário Elton dos Anjos Brandão, ex-sócio dele naquele hospital; o ex-chefe de Gabinete da Prefeitura, Ed Wilson Dias e Silva e cinco servidores do Iasep. Os pedidos de Elton Brandão e dos cinco servidores para que a apuração seja suspensa também foram negados pelo STJ.
As fraudes que levaram ao desvio desse dinheiro ocorreram entre 2018 e meados de 2023. Elas incluiriam superfaturamentos de até 1000% nos preços que o hospital cobrava, por serviços prestados ao Iasep. Segundo o Ministério Público do Pará (MPPA), até agulhas hospitalares custavam 60 vezes mais: pela tabela do Iasep, deveriam custar 30 centavos a unidade. Mas o Santa Maria cobrava (e recebia) R$ 18,10 a unidade.
MPPA começou a investigar o caso no início do ano passado, após receber uma denúncia. Ele abriu o Procedimento Investigatório Criminal (PIC) 0807162-12.2024.8.14.0000, que passou a tramitar na Vara de Combate ao Crime Organizado, em Belém. Mas, em 29 de abril do ano passado, realizou uma operação de busca e apreensão, para desbaratar a suposta quadrilha. E foi aí que a apuração sofreu uma mudança de rumo.
Segundo o MPPA, durante a operação surgiram indícios do envolvimento de Daniel nessas fraudes. Assim, o PIC teve de ser transferido para os desembargadores do TJPA, devido ao “foro privilegiado” do prefeito. No TJPA, quem ficou como “relator” foi o desembargador Pedro Pinheiro Sotero. Ele rejeitou os “recursos” dos suspeitos, que queriam a anulação do PIC e a revogação das medidas decretadas pela Vara de Combate ao Crime Organizado, entre elas, o sequestro dos bens deles.
E também autorizou a inclusão do prefeito entre os investigados, como pedira o Procurador Geral de Justiça, César Mattar, que comanda o MPPA. Com isso, os suspeitos apresentaram recursos ao TJPA contra as decisões do desembargador e a investigação.
Pouco depois, alegando que são vítimas de “coação” ou “constrangimento ilegal” pelo desembargador, que não atendeu os pedidos deles, passaram, também, a protocolar pedidos de HCs no STJ, para suspender a apuração. Mas acabaram derrotados. O mesmo ocorreu com Daniel, que teve rejeitado um HC anterior.
Agora, nesse mais recente HC, já foram duas derrotas: o pedido de liminar e o HC em si. A alegação do prefeito também é de que estaria sofrendo “constrangimento ilegal”, por ter sido incluído na apuração. Segundo ele, essa inclusão teria se baseado apenas “na menção de uma testemunha, em denúncia anônima, de que ele seria dono de um hospital supostamente envolvido em ilícitos, sem qualquer relação com o cargo atualmente exercido”. Ainda segundo ele, o depoimento dessa testemunha se basearia apenas “em uma captura de tela de aplicativo de mensagens sem prova de autenticidade”.
Quer saber mais notícias do Pará? Acesse nosso canal no Whatsapp
Subprocurador-Geral vê indícios de irregularidades
Ao rejeitar mais esse HC do prefeito, o ministro Sebastião Reis Junior acolheu o parecer do Subprocurador-Geral da República Mário Ferreira Leite, contrário ao trancamento da investigação. Segundo o procurador, medidas desse tipo só podem ocorrer “em situações excepcionais”. Como, por exemplo, a total falta de indícios de irregularidades. O que não é caso dessa investigação, segundo o procurador.
Para ele, há “indícios da prática criminosa e aparente justa causa para o procedimento investigatório instaurado (…)”. Como, por exemplo, os fatos citados pelo MPPA ao ajuizar, no ano passado, os pedidos de busca e apreensão, sequestro de bens e afastamento de funções públicas dos supostos envolvidos no esquema.
Na época, o MPPA apontou, por exemplo, o crescimento do lucro líquido do Hospital Santa Maria, devido ao “favorecimento criminoso”: levantamento inicial, a partir de balanços contábeis registrados na Junta Comercial do Pará (Jucepa), mostraram que esse lucro líquido cresceu 838,56%, entre 2018 e 2022, ou seja, ao longo de boa parte do período de ocorrência das fraudes (na época do levantamento, ainda inexistiam informações do ano de 2023).
Além disso, o MPPA também apontou os indícios do desvio de mais de R$ 261 milhões do Iasep para o Santa Maria, ao analisar as contas apresentadas pelo hospital ao Iasep. E, também, os indícios de que o prefeito, apesar de ter se afastado formalmente do Santa Maria, “continuou atuando informalmente como gestor da pessoa jurídica (o hospital) – note-se, durante todo o período ao qual remontam as ilegalidades apuradas”. Assim, escreveu o procurador Mário Ferreira Leite, a investigação não foi aberta com base em apenas um depoimento, como alega o prefeito, “havendo indícios de superfaturamento de preços cobrados por prestadores, e investigação pormenorizada de dados entre diferentes hospitais atendidos pelo Iasep, demonstrando vestígios de materialidade delitiva na administração das contas” do hospital.
O procurador citou um trecho da decisão do desembargador Pedro Sotero, do TJPA, quando autorizou a abertura da apuração contra o prefeito, para elucidar os indícios de possível autoria dos crimes apontados pelo MPPA. E disse ser “indispensável” que a investigação prossiga normalmente, para que os fatos sejam esclarecidos.
O ministro Sebastião Reis foi pelo mesmo caminho: para ele as investigações devem prosseguir, sendo “prematuro” o trancamento delas. Ele destacou uma manifestação do MPPA, transcrita no processo pela própria defesa do prefeito. Nessa manifestação, declarações prestadas pela presidente do Iasep apontariam evidências de que Daniel permaneceu controlando o Santa Maria, apesar de formalmente afastado da empresa desde maio de 2022.
Bens
Em reportagem na revista Veja, o jornalista Matheus Leitão lembrou que, em 2020, ao se eleger prefeito pela primeira vez, Daniel Santos possuía R$ 2 milhões em bens. Já no ano passado, ele declarou R$ 4,85 milhões em bens, sendo R$ 3,15 milhões em fazendas no interior do Pará.