Todos os caminhos do bairro da Marambaia passam por ali
Publicado Diário FMem 09/01/2025
Ainda no final do século XIX e início do século XX, a única maneira de se chegar à área onde hoje está localizada a avenida Tavares Bastos, no bairro da Marambaia, em Belém, era através da famosa Estrada de Ferro de Bragança. Daquela época até os dias atuais, a importante via passou por um intenso processo de transformação que envolveu não apenas mudanças urbanas e estruturais, mas também o recebimento do atual nome que presta uma homenagem ao bacharel em direito Aureliano Cândido Tavares Bastos.
Quem hoje vê a avenida tomada por um fluxo intenso de veículos e marcada pela presença de muitos comércios pode não imaginar, mas a Tavares Bastos já foi um caminho pouco habitado. O professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa) Campus Belém, doutor em História da América e da África na Universitat de Barcelona e membro do grupo de estudo e pesquisa sobre escravidão e Abolicionismo na Amazonia (GEPEAM), Diego Pereira Santos, aponta que a avenida que tem uma história bastante reveladora das mudanças e das transformações sociais que a cidade passou ao longo dos anos.
“Para você chegar a essa área só havia uma possibilidade, especialmente no final do século XIX e início do século XX, que era através da Estrada de Ferro de Bragança. Então, não havia um caminho alternativo”, explica. “Naquela época, essa área não tinha ainda esse nome, na verdade ela já vai ter esse nome nas primeiras décadas do século XX, e a chamada Tavares Bastos de forma interessantíssima vai se associar à própria história daquela região da Marambaia”.
Conteúdos relacionados:
- Rua onde fica a Santa Casa tem muita história para contar
- Conheça algumas das Ruas históricas de Belém
O historiador lembra, inclusive, que alguns relatos apontam que até a segunda metade do século XX aquela era uma área bastante desocupada, com várias matas que davam sentido àquela região da cidade. Portanto, era uma região que se deslocava dentro de uma lógica muito própria na cidade de Belém. “Então, só se pode falar nessa ideia de um desenvolvimento, pelo menos nessa urbanização como nós pensamos hoje, já a partir da década de 70 e 80. É quando você vai pensar uma ideia de um arruamento e um aumento da população dentro daquele bairro, do bairro da Marambaia e, em particular, na sua principal rua que, sem dúvida nenhuma, é a Tavares Bastos”.
Ainda em meados de 1980, os relatos registrados nas páginas do DIÁRIO remontam a um período em que a população do entorno da avenida Tavares Bastos ainda demandava por obras de saneamento e pavimentação. Na edição do dia 13 de julho de 1984, a reportagem do DIÁRIO relatava a situação de ruas do conjunto Médice, que na época tinha uma população estimada em 15 mil pessoas, como marcadas por ‘imensas valas e crateras’. Ainda segundo a reportagem, na época, asfalto ‘só na avenida Tavares Bastos’.
Em outro registro do final da década de 80 do século XX, o jornal abordou outro trecho da Tavares Bastos, o que recebeu a instalação do conhecido Conjunto do Basa. Na edição do dia 17 de outubro de 1989, a matéria publicada no DIÁRIO registrava um protesto dos moradores do conjunto contra o trânsito de veículos pelo trecho da avenida Tavares Bastos onde o conjunto está localizado. Na época, a matéria relatou que os moradores chegaram a interditar a entrada do conjunto. Anos mais tarde, em 2009, o trecho da avenida voltou a ser notícia quando uma ação da Prefeitura de Belém estendeu o percurso da Tavares Bastos até a avenida João Paulo II, determinando, portanto, a abertura do Conjunto do Basa que havia sido fechado pelos próprios moradores anos antes.
Trabalhando na Tavares Bastos há 15 anos, o autônomo Alex Oliveira, de 47 anos, lembra bem da época em que o trecho do conjunto foi liberado para o trânsito de veículos. Desde então, ele conta que o movimento aumentou muito na via. “A rua continua a mesma coisa de 15 anos atrás, o que mudou foi que hoje tem muito mais comércio do que casas e o estacionamento que não tem mais por causa da ciclofaixa”, conta. “Ela sempre foi movimentada de carro, mas ficou ainda mais quando abriram o conjunto pro pessoal seguir até a avenida João Paulo. Eu tenho bem essa memória porque o pessoal fez protesto e tudo, mas era necessário. Melhorou bastante depois disso”.
Já o aposentado Geraldo Silva, 67, guarda memórias do trecho da avenida que fica no Conjunto Médice. Ele se mudou para a Tavares Bastos há três anos, mas mora no bairro da Marambaia há 43 anos e lembra das transformações vivenciadas pela via com a passagem do tempo. “Evoluiu muito nesses 40 anos, com certeza. Mas sempre foi muito movimentado e com muito comércio. Aqui tem feira, lojas, restaurantes. Não é preciso sair daqui pra comprar nada”.
Quer saber mais notícias do Pará? Acesse nosso canal no Whatsapp
HOMENAGEADO
Desde as primeiras décadas do século XX até os dias de hoje, a importante via do bairro da Marambaia presta homenagem ao alagoano e bacharel em direito Aureliano Cândido Tavares Bastos. O historiador e professor da Uepa, Diego Pereira Santos, explica que Tavares Bastos viveu entre 1839 e 1875, sendo um personagem interessantíssimo do ponto de vista da política. “Em particular, eu destacaria o diálogo que ele vai ter com a região amazônica. Desde a década de 60 ele faz algumas viagens à Amazônia, tanto que ele vai redigir um livro sobre a Amazônia, já em 1866, chamado ‘O Vale do Amazonas’”, conta o professor. “É uma obra muito importante porque vai analisar a questão da navegação – ele era um defensor da navegação do Rio Amazonas, o comércio também com as nações estrangeiras, o estabelecimento de entrepostos fiscais”.
Em particular, Diego destaca a originalidade da obra de Tavares Bastos, sobretudo ao pensar nas condições de vida dos povos ribeirinhos e da população negra. “Ele é um dos primeiros trabalhos, ainda na década de 60, que apesar de considerar essa presença negra uma presença parca, uma pequena presença, mas que aparece como uma presença existente na Amazônia. Então, é uma figura que, por tudo isso, acabou sendo homenageada na Avenida Tavares Bastos”.
Outro aspecto interessante sobre Tavares Bastos que é destacado pelo professor é a tendência liberal que a personalidade detinha, apesar de ele não se afinar completamente ao liberalismo. Mas, é possível que essa característica tenha contribuído para que a homenagem ao seu nome tenha sido mantida mesmo após a instauração da República.